Dundo - Viver na Lunda Norte e em um campo de refugiados jamais foi um sonho nem mesmo um plano para muitos cidadãos da República Democrática do Congo (RDC), mas tornou-se a única opção para mais de 30 mil congoleses em 2017.
Por: Hélder Dias
A entrada em território angolano, há quase cinco anos, foi a única opção para os refugiados escaparem da violência extrema e generalizada, causada por tensões políticas na RDC.
Mesmo em condições precárias de habitabilidade, o acolhimento no campo do Lóvua reacendeu a esperança dos refugiados, abrindo-lhes novas perspectivas de vida.
Vivendo em tendas, uma realidade que se encaixa com perfeição no retrato da vida em campos de refugiados, homens e mulheres, sem oportunidades profissionais no país, devido à sua situação migratória, buscam formas de conseguir uma fonte de rendimento.
O aumento de oportunidades em termos da busca de meios de subsistência era urgente e necessário, obrigando o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e parceiros a apostarem na execução de programas estratégicos que contribuissem para a inclusão socioeconómica dos refugiados desse campo, que acolhe mais de seis mil indivíduos.
Com a missão de promover a criação de oportunidades de auto-emprego e renda, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) e a Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo (ADPP) têm desenvolvido diversos programas e serviços para a promoção do empreendedorismo entre os refugiados.
Em 2019, as duas organizações iniciaram um projecto de inclusão económica no campo, em colaboração com o Instituto Nacional de Formação Profissional (Inefop), seleccionando, numa primeira fase, 124 refugiados para uma formação sobre empreendedorismo, corte e costura, mecânica, pastelaria e comércio.
A iniciativa conjunta, segundo a representante da ADPP na Lunda Norte, Rosa Spelile, visa apoiar o Governo angolano na criação de um ambiente propício para os refugiados contribuírem para a diversificação da economia local e fortalecer a sua auto-suficiência.
Cerca de 150 mil dólares norte-americanos foram disponibilizados para ancorar o projecto, dinheiro aplicado na formação dos beneficiários, aquisição de kits profissionais e sementes agrícolas, entre outras acções inerentes a promoção agrícola.
Janeiro do ano em curso ficou marcado na memória de muitos refugiados, que longe da sua pátria buscam meios de sobrevivência através do empreendedorismo.
Nesse mês, a ADPP fez a entrega dos primeiros 13 kits profissionais, compostos por 17 máquinas de costura, atados de fardo, tecidos e equipamentos para pastelaria, entre outros.
Rosa Spelile disse que, nos próximos dias, serão distribuídos sementes agrícolas e equipamentos de mecânica, para a melhoria da produção agrícola local, o que vai garantir o emprego a mais jovens no campo.
A refugiada Ngombe Godelife, formada em corte e costura, no quadro desse projecto, qualificou a acção como um acto de “inclusão” e de respeito pelos direitos humanos.
A cidadã estrangeira augura ter rendimentos suficientes para adquirir mais máquinas e criar uma alfaiataria, para contribuir para a resolução do problema do emprego de mais refugiados.
Já Muangala Patrícia, formado em mecânica, disse que com o kit de trabalho que recebeu tenciona criar a primeira oficina de motorizadas no campo e treinar mais refugiados, para impulsionar o crescimento do seu negócio.
Por seu turno, Zodia Filomena, que beneficiou igualmente de um kit de corte e costura, disse ser este um momento ímpar da sua vida, porque vai, de agora em diante, contribuir para a arrecadação de receitas para a sua família.
Maoa Kapenda, que beneficiou de um atado de fardo, enalteceu a iniciativa e disse esperar que tal gesto abranja mais refugiados.
Nesse contexto, a agricultura é das principais actividades dos refugiados, pois é nela que grande parte das famílias obtêm a renda (dinheiro) para tentarem refazer as suas vidas, enquanto aguardam pelo repatriamento, suspenso em Março de 2020, devido à Covid-19.
Duzentos refugiados, inseridos em 10 cooperativas agrícolas, estão, desde 2020, engajados na prática de uma agricultura de subsistência, produzindo arroz, tomate, hortícolas, feijão, ginguba e beringela.
A ADPP e seus parceiros apoiam os camponeses com sementes, material de trabalho para desbravar a terra, formação em técnicas de cultivo de diferentes culturas e acompanhamento técnico.
Segundo a responsável da ADPP, cada cooperativa tem um campo de 50/40 metros quadrados e tem disponíveis motorizadas de três rodas para o escoamento dos produtos, tão logo começarem a colheita.
Mercado facilita o comércio
Para além destes apoios, o ACNUR construiu um mercado de 900 bancadas, para facilitar o comércio de diversos produtos, cujos vendedores são alguns refugiados que tinham algum capital financeiro e decidiram, por conta própria, desenvolver um negócio.
Assim, os refugiados que beneficiaram do projecto da ADPP não terão dificuldades em comercializar os seus produtos, nem a necessidade de se deslocar à sede municipal do Lóvua ou do Chitato para o efeito, evitando custos na transportação dos seus negócios.
Para assegurar a formação dos refugiados, sobretudo de crianças e adolescentes, foram construídas três escolas no assentamento, que permitiram a inserção, no presente ano lectivo, de mil e 200 alunos da iniciação a 7ª classe.
A formação é coordenada pelo Gabinete Provincial da Educação, em colaboração com a ADPP, e assegurada por 16 professores. Para além das crianças e adolescentes, mais de 600 adultos estão inseridos no programa de alfabetização, segundo a responsável da ADPP.
Enquanto as aulas no ensino primário continuam suspensas, os encarregados de educação vão à escola buscar as tarefas para os seus educandos, como acontece nos estabelecimentos escolares deste nível em todo o país.
Relativamente à saúde, Rosa Spelile referiu que o campo conta com uma clínica, que presta assistência médica e medicamentosa gratuita aos refugiados.
Repatriamento
O chefe do escritório do ACNUR na Lunda Norte, Chrispus Tebid, considerou que a questão do repatriamento dos refugiados continua dependente da evolução da Covid-19 e do levantamento das restrições de circulação nas fronteiras impostas pelas autoridades angolanas.
Avançou que o desejo de regressar ao país de origem vai diminuindo no seio dos refugiados, por várias razões, entre as quais as oportunidades de negócio que muitos encontraram no campo.
Mas disse que tão logo forem reabertas as fronteiras terrestres, estarão todas as condições criadas para o retorno do processo de repatriamento para quem quiser regressar ao seu país.
Em 2019 foram repatriados cerca de 17 mil refugiados, durante o processo de repatriamento voluntário e organizado, suspenso em 2020 devido à Covid-19.