Luanda – O fenómeno delinquência regista, nos últimos tempos no país, um acréscimo, em especial na capital, com ênfase para o envolvimento de crianças dos 12 aos 15 anos de idade.
Por António Neto
Dados indicam que a média anual de menores em conflito com a lei, em Angola, ronda os cinco mil casos em diversas áreas criminais, nomeadamente, violações sexuais, homicídio e roubo, este último com maior incidência.
É recorrente, se não mesmo rotineiro, ouvir na midia ou ler nas redes sociais relatos e acontecimentos criminais envolvendo adolescentes, muitos dos quais acabam em fatalidade das vítimas e outras dos agressores (delinquentes).
Com os dados a mostrarem um quadro preocupante e a exigir intervenção urgente e coesa, instituições do Estado que lidam com o bem-estar social de crianças e adolescentes tentam encontrar soluções para levar os jovens adolescentes envolvidos no mundo do crime a uma mudança de comportamento, evitando que sejam submetidos a leis rígidas para adultos.
Em Angola, o limite máximo de idade para a aplicação do sistema especializado de justiça para crianças é de 16 anos.
A legislação angolana, baseada em documentos e consensos internacionais, dispõe que ao menor, independentemente de sua eventual condição de autor de delito, deve ser garantida protecção integral por parte da família, sociedade e do Estado.
O tratamento do menor delinquente pode envolver uma conjugação de forças, exigindo programas psico-educativos eficazes, bem como profissionais qualificados na área da justiça, cuja actuação deve ir ao encontro da lei e dos direitos internacionais.
Embora não possam sentir a “mão pesada da lei”, o Estado angolano criou um conjunto de procedimentos para ajudar a reeducação de menores em conflito com a lei quando levados às barras dos tribunais, entre os quais a aplicação de advertência, a admoestação verbal pelo juiz, na presença do Ministério Público, reduzida a termo assinado e obrigação de reparar o dano.
É ainda aplicada a liberdade assistida, com o acompanhamento por uma pessoa capacitada, por prazo mínimo determinado. Tal deve promover maior interacção social do adolescente e sua família, supervisionando a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente e diligenciar no sentido da sua profissionalização e inserção no mercado de trabalho, bem como o internamento, medida privativa de liberdade, a ser cumprida em instituição exclusiva para adolescentes.
Sempre que necessário, as autoridades judiciais recorrerem a uma instituição vocacionada para a ressocialização dos adolescentes e crianças em conflito com a Lei: O Julgado de Menores.
Julgado de Menores aposta na reeducação
Pouco conhecido no país, no entanto com um papel preponderante na reeducação dos jovens delinquentes, o Julgado de Menores conta com um centro de observação com capacidade de albergar 80 adolescentes, de ambos os sexos, e o internato com a capacidade para 104 rapazes e raparigas na mesma proporção.
Como órgão especializado para o atendimento de crianças que se mostrem gravemente inadaptados à disciplina da família e da comunidade, o Julgado de Menores apresenta-se como uma estrutura para o acompanhamento da vida social e judicial dos menores em conflito com a lei, garantindo a imposição de regras de conduta, a frequência obrigatória de um estabelecimento de ensino, a inscrição em centros de formação profissional e internamento ou semi-internamento em instituições de assistência social ou educativa.
Na capital angolana, o Julgado de Menores está localizado no distrito do Zango III, município de Viana, contando com um centro de internamento para o acompanhamento, reeducação e reintegração social de menores dos 12 aos 16 anos de idade que se encontrem em conflito com a lei.
Socióloga quer instituições para reabilitação de menores
Para a socióloga Cristina Gamboa, a situação dos menores em conflito com a lei é um problema social que deve envolver a participação de várias instituições.
Cristina Gamboa aponta que a maior parte destes menores crescem em famílias desestruturadas e disfuncionais, onde muitas vezes não têm o acompanhamento dos pais.
Para contrapor esta condição, a socióloga defende a criação de instituições funcionais que possam ajudar na reabilitação e reassocialização do menor, evitando-se a colocação de crianças em celas com adultos.
“Tenho notado menores com 13, 14 ou 15 anos em grupos de amigos que se envolvem em roubo, assalto a residências e na via pública, bem como casos de assassinato”, referiu.
A socióloga considera ser importante a implementação de um programa que promova o resgate de valores junto da sociedade, onde as igrejas, psicólogos, sociólogos e outras instituições possam interagir com as comunidades de forma a prevenir os constantes conflitos entre os menores e a sociedade.
De igual modo, mostram-se indispensáveis planos de desenvolvimento social, como os direccionados à prevenção da intimidação e os que ajudam o enriquecimento pré-escolar, a par do desenvolvimento de habilidades sociais, resolução de conflitos e desenvolvimento de uma perspectiva moral mais pró-social.
Para melhor institucionalização destes programas, impõe-se, na óptica da especialista, a instituição de acções de avaliação psicológica, incluindo posteriormente, se necessário, programas psicoterapêuticos para transtornos mentais coexistentes ao comportamento nocivo.
Neste quadro, torna-se fundamental o bom relacionamento entre pais e filhos, a relação entre alunos e professor, sendo considerados passo importante para o desenvolvimento académico, ético e moral do indivíduo na sociedade.
Especialista defende aumento da oferta educativa
Para o jurista Edmar Filho Neto, não se pode deixar de reflectir e aceitar que a maior parte dos problemas dos menores são fruto do comportamento dos adultos na sociedade em geral e na família em particular, sendo necessário o melhoramento de acesso ao sistema de ensino.
“A um menor sem ocupação, apenas lhe resta pensar em coisas negativas. Deve olhar-se também para a questão da empregabilidade, uma vez que os sentimentos de frustração vivenciados passam de forma negativa às crianças", referiu.
O jurista entende que este sentimento é transmitido aos menores de forma cruel, através da falta de alimento, violência doméstica, facto que acaba por levar, desde muito cedo, o menor ao consumo de bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas, facilmente adquiridas nas ruas de Luanda.
Na óptica do especialista, uma possível redução da idade penal no país não vai ajudar na diminuição dos casos de delinquência envolvendo menores, pelo facto de não poderem ser colocados com cidadãos adultos nos mesmos estabelecimentos prisionais e com a possibilidade de o Governo poder se confrontar com a falta de assistentes, psicólogos, sociólogos e juristas para prestarem uma atenção especial a esses menores.