Menongue – Maria Rita, inspectora da Polícia Nacional (PN), na província do Cuando Cubango, firmou um casamento perfeito entre a defesa do solo pátrio e a aposta na agricultura.
Por Maurício Mangala, jornalista da ANGOP
A sua paixão e esforço empreendido na produção agrícola resumem-se numa odisseia de altos e baixos, num percurso que iniciou de pequena, na década de 80, na base da curiosidade e do empirismo, que viria a despoletar-se num verdadeiro exemplo de vida e superação.
Hoje, aos 53 anos, é mãe de seis filhos, avó de 18 netos e dois bisnetos, e tem uma mãe de terceira idade para cuidar.
Entrevistada pela ANGOP, no quadro do Março Mulher, a empreendedora, vulgarmente conhecida como “Maria Cabetula”, salientou que, não obstante as dificuldades inerentes à actividade que exerce, é possível ter uma vida condigna na base da exploração das terras aráveis e da água em abundância na província do Cuando Cubango.
Conforme a interlocutora, não há razões para que as pessoas lamentem a falta de alimentação ou a subida do custo dos principais produtos alimentares da cesta básica, desde que apostem sério na agricultura e no domínio das principais técnicas de campo para maximizar os resultados da produção.
Revelou que, para manter o equilíbrio de polícia e fazendeira, o segredo reside na disciplina, enraizada no cumprimento escrupuloso de todas as orientações hierarquicamente emanadas, bem como na formação de uma equipa competente e comprometida com o crescimento da sua empresa.
Eis a íntegra da entrevista:
ANGOP: Sendo alguém que aposta no campo e já com algum impacto nas comunidades, como é que começa essa paixão pelo trabalho de campo?
Maria Rita (MR): A paixão começou, em 1982, quando pequena, a partir da província de Luanda, onde já tínhamos as nossas lavras na região dos Ramiros.
Ali fazíamos as culturas e, regressando à província do Cuando Cubango, encontrei um mais velho chamado Kamahinga, ainda na década de 80, que era um homem da agricultura e já possuía uma fazenda, a qual nos servia de observação e aulas práticas.
E, quando visitávamos, principalmente no dia 1 de Dezembro (Dia da Organização do Pioneiro Angolano), vimos e admiramos os seus trabalhos, pois queria ser como ele.
Assim, em 1990, adquiri a minha primeira lavra com o incentivo da minha mãe que também era agricultora. Mas, em 2007, surgiu a ideia de fazer a agricultura em grande escala.
ANGOP: Foi exactamente nesse ano que começou a expandir as suas zonas de produção?
MR: Foi quando vim para os 21 quilómetros e consegui estes terrenos onde estamos. À medida que fomos trabalhando, fui tendo trabalhadores, primeiro seis e depois com um casal.
Os trabalhos foram indo, fui alargando as lavras e consegui outro espaço, na região de Savipanda. Em 2017, consegui outras fazendas, no Luassingua, e, até hoje, estou a trabalhar em três fazendas, com um total de 53 trabalhadores, sendo 17 do género feminino, para além de alguns eventuais.
A gerente de tudo é a senhora Maria Fernando. Eu faço os trabalhos da cidade e venho aqui sempre que posso, mas ela faz os trabalhos de campo.
ANGOP: Quais são os produtos que mais se destacam nas suas zonas agrícolas?
MR: O foco da produção recai maioritariamente no massango, na massambala, no milho, na mandioca, no feijão macunde e no gengibre, entre outros.
ANGOP: Acredita que já é possível sobreviver da agricultura? Qual é a experiência que tem?
MR: Tenho uma experiência muito grande. Sobrevivo da agricultura, porque já estou nessa área, há quase 23 anos. Na lavra tem muita coisa.
Neste momento, podemos apanhar a quisaca (folhas de mandioca) para levar, mas, se não tens lavra, não consegues comer. Podemos cavar uma mandioca para saciar a fome, temos a farinha de milho, o massango e a massambala
A experiência que tenho de sobreviver da agricultura é tanta, pois sou mãe de seis filhos, avó de 18 Netos e dois bisnetos e tenho uma mãe de terceira idade para cuidar, cujo sustento é fruto do trabalho de campo.
ANGOP: Conta com o apoio de parentes próximos para o sucesso desta actividade?
MR: Já consegui envolver a família, sobretudo os filhos, nessa paixão pela agricultura.
ANGOP: De que forma é que eles participam nesta cadeia que vai desde a produção, colheita, transportação e distribuição, venda e o consumo?
MR: Tenho três filhos que me ajudam e estão directamente envolvidos nesta cadeia da agricultura. Uma ajuda na colheita e no escoamento dos produtos do campo para a cidade e vice-versa.
O outro na venda dos produtos que saem daqui do Cuando Cubango para Luanda, capital do país, e uma ajuda-me com valores monetários para conseguir pagar os trabalhadores.
ANGOP: Qual é o principal mercado da colheita que sai das vossas fazendas?
MR: Temos vários, mas destaco principalmente três, sendo um Menongue, que é o mercado do bairro da paz (a maior bolsa de valores a céu aberto da província do Cuando Cubango), um em Luanda, concretamente no mercado do quilómetro 30 e, o mercado da cidade do Lubango que é o Mutundo.
ANGOP: Sabemos que para a cidade do Lubango, o comboio tem sido um grande auxílio na transportação dos produtos. Já para o caso concreto do mercado de Luanda, como é que os produtos chegam até lá e depois qual é o processo até depois se converter em dinheiro?
MR: Tenho uma carrinha de marca Mitsubishi Canter que consegui por meio das vendas dos produtos do campo que tinha recolhido em 2021. No campo temos altos e baixos, mas naquele ano havia muito produto, sobretudo feijão macunde, milho e massango que depois de vendido comprei a Canter.
Com ela transporto produtos de Menongue para Luanda, levando o milho, o massango, a massambala e o macunde.
ANGOP: Quantas toneladas de produtos por espécie conseguiu colher, na última campanha agrícola 2022/2023 e quantas prevê colher nesta campanha (2023/2024)?
MR: Na última campanha agrícola colhi quatro mil 250 quilogramas de feijão macunde, sete mil quilogramas de milho, 90 sacos de mandioca de 1/150 quilogramas, 45 sacos de 1/150 quilogramas de massango e 12 sacos de 1/150 de massambala.
Para a presente campanha agrícola, se a chuva cair conforme desejado, poderemos colher mais de trinta toneladas de produtos diversos.
ANGOP: Qual é a sua relação com os seus colaboradores?
MR: Prefiro que sejam mesmo eles a responderem a essa questão, mas posso assegurar que gostam do que fazem, apesar de ainda usarmos mesmo meios rudimentares, sendo que o desafio é a aquisição de máquinas e motobombas para facilitar a irrigação.
ANGOP: A terminar a nossa entrevista, quer deixar um conselho para que as pessoas apostem mais na produção agrícola?
MR: O conselho que deixo é no sentido da maior aposta na agricultura. Ainda que não se trabalhe em grande escala para a comercialização, mas, pelo menos, para o consumo familiar. Está claro e comprovado que é mesmo possível sobreviver do campo. MSM/ALK/IZ