Luanda - Doar sangue para ajudar a salvar vidas, nas unidades hospitalares do país, é um acto de puro humanismo de que Elias Matias, 38 anos de idade, jamais se quer ver livre.
Por Hilária Cassule
Há sete anos, o cidadão tornou-se um dos milhares de dadores voluntários que se entregam, diariamente, para manter o stock dos hospitais, preferencialmente públicos, evitando a morte de compatriotas angolanos por falta de transfusão.
A história de Elias Matias, enquanto dador de sangue, iniciou-se depois de um acto triste que marcou a sua vida, deixando marcas ainda hoje difíceis de digerir.
O dador iniciou-se nestas andanças depois da morte do seu pai, curiosamente, por falta de sangue, numa altura em que se preparava para contrair matrimónio.
Durante os exames pré-nupciais, descobriu que tinha um nível de sangue elevado, tendo sido, desde então, incentivando a tornar-se dador, conselho seguido sem hesitar.
Com hemoglobina de 15 g/dl, Elias doa o seu precioso sangue quatro vezes ao ano, habitualmente no Instituto Nacional de Sangue (INS), sendo uma vez em cada trimestre.
Segundo especialistas, os dadores do sexo masculino devem fazê-lo de três em três meses, ou até quatro vezes ao ano, enquanto as mulheres doam de quatro em quatro, ou seja, três vezes ao ano.
"Sinto-me feliz por ajudar muitas pessoas que precisam de sangue e quando, no dia do dador, recebo uma mensagem de felicitação, torna-se muito gratificante", declarou o cidadão à ANGOP, quando falava a propósito do Dia Mundial do Dador de Sangue (14 de Junho).
Depois de quase uma década a "trabalhar" como dador, Elias Matias, pai de dois filhos, leva a vida a aconselhar os amigos e parentes para se tornarem também "salvadores de vidas", numa altura em que o número de voluntários tende a reduzir em Angola, nos últimos meses.
Tal como este cidadão, Teresa Joaquim, 26 anos de idade, leva a vida de dadora de sangue há três anos, actividade em que se envolveu por influência de uma colega.
A mesma integra um grupo de jovens religiosos que realiza várias actividades, entre as quais a doação de sangue, produto que passou a reduzir nas unidades hospitalares, desde o começo da Covid-19.
De acordo com dados disponíveis, as reservas de sangue diminuíram na Região Africana, em 2020, por causa das restrições à liberdade de circulação e os receios de infecção impostos pela pandemia, impedindo as pessoas de acederem aos locais de doação de sangue.
Neste período (2020-2021), a taxa média de dádivas de sangue diminuiu 17 por cento e a frequência das campanhas de doação diminuiu 25 por cento. A procura do produto também diminuiu 13 por cento, devido à suspensão de cirurgias de rotina em alguns países e da procura de cuidados nos hospitais.
Os números mostram que entre Janeiro e Novembro de 2020, doaram sangue, de forma voluntária ou por necessidade familiar, 139 mil 820 pessoas, permitindo a realização de 143 mil e 884 transfusões.
Conforme os dados, 123 mil e 694 dadores foram familiares e 16 mil e 126 voluntários.
No caso de Angola, em média diária, o Instituto Nacional de Sangue (INS) colhe 70 unidades de sangue. Nos dias mais agitados, a instituição chega a colher até 120 amostras/dia, longe, no entanto, da média necessária e recomendada de duzentas unidades de sangue/dia.
Apesar do amor e da boa vontade de cidadãos como Elias Matias e Teresa Joaquim, o número de dadores de sangue ainda é considera baixo no país, onde o INS estima existirem apenas 107 mil voluntários, para uma população de mais de 30 milhões de habitantes.
As orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a esse respeito, definem que pelo menos um por cento da população deve ser dadora de livre vontade em cada território.
Brigada Jovem Solidários junta-se à luta
A Brigada Jovens Solidários conta com 18 mil e 278 dadores registados actualmente em Angola, contra 22 mil e 376 registados antes da pandemia da Covid-19.
Segundo o responsável da instituição em Luanda, André Soares, no ano de 2020 conseguiram doar 12 mil e 276 bolsas de sangue nos hospitais do país, a fim de acudirem os necessitados. Conquanto, no primeiro semestre do ano em curso, já efectuaram duas mil e 289 doações.
A fonte informa que desde o começo das restrições impostas pela pandemia, enfrentam dificuldades de vária ordem, principalmente relacionadas com a comunicação para interagirem com os dadores (brigadistas), além da falta de transporte para a deslocação dos voluntários.
Aponta, também, a falta de alimentação adequada antes e no período pós-doação de sangue como problemas que precisam de ser resolvidos, a fim se encorajar novos dadores voluntários.
"Ainda assim, temos conseguido cumprir a nossa missão", disse André Soares, que apelou aos angolanos no sentido de olharem para o próximo e tornarem-se dadores de sangue.
"Todos nós precisamos uns dos outros. Hoje, o paciente internado num hospital, à espera de transfusão, precisa do nosso sangue para ser salvo. Por isso, não espere que haja ocorrência na família para ir salvar uma vida. Vamos todos ser dadores voluntários, doando sangue", sublinhou.
Na província de Luanda, capital do país e cidade mais populosa do país, com mais de sete milhões de habitantes, o Instituto Nacional de Sangue diz que abastece, com as doações dos voluntários, os hospitais David Bernardino, Américo Boavida e o Centro Nacional de Oncologia.
Segundo a directora do INS, Deodete Machado, cada componente do sangue tem um tempo de validade, devendo o concentrado de eritrócito ficar armazenado por 35 ou 42 dias, o de plaquetas cinco dias, o plasma fresco congelado um ano, enquanto o crioprecipitado só fica armazenado até 24 horas.
A também médica esclarece que, em concreto, o eritrócitos é utilizado no tratamento de pacientes com anemia, o plasma fresco congelado em pessoas com alterações hemostáticas, as plaquetas no tratamento de pessoas com plaquetas baixas e na iminência de ter sangramento.
Caminhos para ser dador
A Organização Mundial da Saúde avança que continua a haver cerca de sete milhões de doentes que precisam de sangue nos países africanos, todos os anos.
O sangue seguro e a sua transfusão são fundamentais para a prestação de cuidados de qualidade, na medida em que permitem salvar pessoas com lesões graves e mães com hemorragias durante o parto.
O produto também é necessário para procedimentos cirúrgicos, bem como para o tratamento de anemia grave, hemopatias hereditárias e outras patologias. Mas, para ser dador, há aspectos a considerar.
De acordo com os médicos, no caso dos voluntários, como os familiares, devem ter entre 18 e 65 anos.
Estes passam, primeiro, por um rigoroso processo de instrução no sentido de não fazerem uso de drogas, não terem vários parceiros sexuais, não abusarem do álcool e deverem ter pelo menos sete horas de sono por dia. No caso das mulheres, não podem estar grávidas, nem a amamentar.
Segundo a médica Deodete Machado, os candidatos à doação preenchem um inquérito com questões pessoais, assumem a responsabilidade como dadores e são submetidos à triagem, para se poder dosear a hemoglobina. No caso dos homens, esta deve ser acima de 13,5 e das mulheres 12,5.
Os dadores passam, igualmente, por exames de despiste da malária e dos sinais vitais.
"Caso tudo esteja bem, o candidato deve tomar um lanche, relaxar alguns minutos e de seguida está apto para doar 450 mililitros de sangue", esclarece.
Feito isso, complementa a especialista, uma parte do sangue é levado para o laboratório de imunohematologia e a outra para o laboratório de doenças transmissíveis.
No laboratório de imunohematologia são agrupados os compostos ABO/RH Fenotepagem, submetido à prova de compatibilidade e de disponibilidade da humanidade para transfusão. Já no laboratório de doenças transmissíveis fazem-se despistes do HIV, hepatite B e C, e da sífilis.
O sangue doado passa, depois, para outro laboratório, a fim se fazer a separação dos concentrados de hiritrócito, plaquetas, plasmas frescos congelados e crioprecipitado, fechando, assim, um processo que, além de ajudar a salvar vidas, põe à prova o amor e a solidariedade dos voluntários.