O perfil multidimensional de Agostinho Neto

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  • Luanda • Quarta, 25 Maio de 2022 | 06h11
António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola
António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola
Cedida

Luanda – A 17 de Setembro de 2022, António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, completaria 100 anos de nascença, se estivesse vivo.

Por João Gomes Gonçalves

Líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) entre 1962-1979, Neto dirigiu os destinos de Angola, de 11 de Novembro de 1975 a 10 de Setembro de 1979, depois de proclamar a independência nacional, no termo de 500 anos de colonialismo português e de 13 anos de luta de libertação.

Em Agostinho Neto são reconhecidas várias valências e pragmatismo, destacando-se as dimensões histórica, política e diplomática.

Tal como escreveu o autor angolano João Baptista Gime Luís, no seu perfil publicado na revista internacional de Culturas, Línguas Africanas e Brasileiras, em 2021, vários estudos da história da Angola independente apontam ainda a figura de Agostinho Neto como “o libertador, o herói nacional, o fundador da Nação”.

Nessa obra intitulada “Trajectória política de António Agostinho Neto (1947-1975)”, João Gime versa ainda sobre as suas dimensões de poeta, médico, guerrilheiro e estadista, que faziam dele “o homem completo”.

Os seus dados biográficos apresentam Neto como filho de pai natural de Icolo e Bengo, no norte do país, e mãe oriunda do Bié, no centro-sul, facto que, na óptica do escritor, influenciou a sua maneira de ver Angola como “um todo”, que passou a defender com a palavra de ordem “de Cabinda ao Cunene, um só Povo, uma só Nação”, tudo em busca da unidade nacional.

Acredita-se que o “Poeta Maior” começou a levar uma vida política activa entre finais da década de 1940 e início de 1950, depois de ter chegado a Portugal, onde começou a ser sucessivamente preso e julgado por causa das suas acções consideradas subversivas contra o regime instalado.

Conta-se que a sua adesão à ala juvenil do Movimento de Unidade Democrática (MUD Juvenil), em 1955, em representação dos jovens das colónias portuguesas africanas opostas ao regime salazarista, em que  pontificavam todas as forças opositoras do Estado Novo, entre comunistas, católicos e socialistas, o levou à prisão pela segunda vez, com cerca de uma centena de jovens portugueses, estudantes e trabalhadores.

Condenado a 18 meses de prisão, foi contudo libertado em 1957, recorda-se no livro “Agostinho Neto, uma vida sem tréguas-1922/1979”, publicado em sua honra pela Fundação António Agostinho Neto.

Aos 18 meses de prisão, a pena arbitrada pelo Tribunal Plenário do Porto acrescentou a perda dos direitos políticos por um período de cinco anos, mas os registos da PIDE indicam que a sentença foi aligeirada graças à defesa feita pelo seu advogado do Porto, António Macedo, uma vez que a condenação efectiva seria de 28 meses.

A primeira detenção de Neto pela PIDE (Polícia Política portuguesa) ocorreu, a 23 de Março de 1952, em Lisboa, quando ele recolhia assinaturas para a conferência Mundial de Paz de Estocolmo.

Ficou encarcerado durante três meses e, em 12 de Junho de 1957, foi um dos réus no “Julgamento dos 51”, na cidade do Porto, no conhecido processo que conduziu à extinção do MUD.

Em 1960, já formado e em Luanda, Agostinho Neto foi mais uma vez preso, deportado para o Tarrafal (Cabo Verde) e posteriormente para a prisão de Aljube (Portugal), donde escapou com a ajuda dos comunistas portugueses para, em 1962, juntar-se ao MPLA que, depois da Guiné-Conakry, se tinha instalado no Congo-Leopoldville (actual RDC), que acabara de conquistar a sua independência, a 30 de Junho de 1960.  

Por causa deste passado histórico, João Gime considera que, embora o nacionalismo independentista angolano (1961-1975) tenha sido dirigido por três figuras emblemáticas, designadamente António Agostinho Neto (MPLA), Holden Roberto (FNLA) e Jonas Malheiro Savimbi (UNITA), “o activismo político do primeiro, comparado com o dos seus dois adversários da época, dava-lhe as possibilidades e os maiores consensos na liderança do futuro Estado de Angola”.

Mais destaca que foi no MPLA que Agostinho Neto se notabiliza no processo de libertação nacional por ter sido a representação nativa dos angolanos “numa organização de estrutura africana, de contestação da ocupação colonial entre autóctones”.

Numa citação atribuída a Mário Pinto de Andrade acerca da transferência da presidência do MPLA para Agostinho Neto, em Léopoldville (hoje Kinshasa), em 13 de Junho de 1962, o então líder do movimento teria descrito Neto como sendo, internamente, “o homem capaz de reunir as organizações que deviam exprimir-se em nome do MPLA; [...] naturalmente aquele que devia conduzir os homens, que tinha nascido para dirigir: [é] aquele por quem se esperava”.

Depois do golpe de Estado de 1974, em Portugal, o MPLA teve, através de Agostinho Neto, o apoio desejado de uma vasta gama de figuras de proa da sociedade e de políticos portugueses da “Esquerda” os quais, no contexto do ambiente revolucionário do 25 de Abril, manifestaram a sua simpatia, incluindo Almeida Santos, do Partido Socialista (PS), que foi um dos signatários dos Acordos do Alvor e colega de Agostinho Neto nos tempos da Universidade, em Coimbra, bem como Álvaro Cunhal, do Partido Comunista Português (PCP).

Proclamada a independência nacional, a 11 de Novembro de 1975, o Presidente Agostinho Neto direccionou um dos seus pensamentos discursivos na resolução dos problemas económicos e sociais da população, propondo soluções associadas à realidade angolana.

Nas suas intervenções públicas, dentro e fora do país, o primeiro Presidente angolano revelava-se preocupado com a independência económica como base para o aprofundamento dos direitos inalienáveis das populações de usufruirem dos seus direitos com a recuperação da produção interna na agricultura, na indústria, na pesca e nos seus sub-ramos, para além de defender a formação de quadros como futuros gestores do país.

Com base nessas suas convicções, proclamou 1978 como o “Ano da Agricultura” e 1979 “Ano da Formação de Quadros”.

Mesmo num sistema estatizado por causa da via socialista que o país decidira seguir, Neto defendia o empreendedorismo, orientando o incentivo da agricultura familiar.

Estes princípios podem ser hoje recuperados para “melhorar o que está bem, e corrigir o que está mal”, para se cumprir com a palavra de ordem “o Mais Importante é Resolver os Problemas do Povo”.

Dimensão diplomática

A estratégia diplomática levada a cabo ao longo da sua vida, tem a sua génese no seio do MPLA desde os primórdios da sua fundação, a 10 de Dezembro de 1956.

Durante os 13 anos de luta de libertação (1961-1974), foi notório o seu papel de liderança no MPLA, não obstante as diversas revoltas havidas, das quais as mais notórias foram a Revolta Activa e a Revolta do Leste.

Por causa da guerra anticolonial que decorria num contexto de Guerra Fria (Este-Oeste), e que fazia com que o MPLA, a FNLA e a UNITA batalhassem de forma dispersa para conseguirem o apoio externo, Neto envidou esforços para fazer reconhecer os objectivos do seu movimento  na Organização de Unidade Africana (OUA), onde a FNLA já assentava arraiais com o Governo Revolucionário no Exílio (GRAE).

Utilizou inteligentemente e de forma pragmática o Comité de Libertação da OUA para, através da Organização das Nações Unidas (ONU), denunciar as atrocidades coloniais ao nível internacional e, em troca, receber o apoio desejado ao combate ao regime fascista português, bem como as relações com os países nórdicos, para cimentar o prestígio do MPLA.

Paralelamente, intensificou os contactos com a chamada Escandinávia, particularmente com a Suécia, com a Noruega e com a Finlândia, levando sempre a bandeira da luta anticolonial, o que lhe deu como retorno o apoio incondicional daqueles Estados.

Um desses indeléveis desempenhos foi o encontro entre os líderes do MPLA, da  Frelimo e do PAIGC, personificados, respectivamente, por Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral, e o Papa Paulo VI (sexto), em Roma, no dia 01 de Julho de 1970, pouco depois da morte do ditador português Oliveira Salazar, aos 81 anos.

A acção do Sumo Pontífice foi um grande êxito diplomático dos três movimentos de libertação africanos, que irritou sobremaneira o regime colonial português, cujo líder tinha acabado de morrer.

No termo do encontro, Paulo VI deu a cada um dos líderes dos movimentos independentistas uma cópia da encíclica “Populorum Progressio” ou “Desenvolvimento dos Povos” em português.

A 02 de Julho de 1970, o Diário de Notícias de Portugal destacou na primeira página, em títulos garrafais: “Insólito e lamentável”, “O Papa recebeu terroristas”.

Conquistada a independência, com o apoio de vários países africanos amigos e de outros continentes, Neto abortou, em 1976, as tentativas dos poderosos grupos de pressão hostis no seio da OUA e da ONU, para bloquear a adesão de Angola, e colocou o país na senda dos Estados não-alinhados.

Com Angola na posição de não-alinhamento, Agostinho Neto manteve relações com todos os países independentes do Mundo, mas não permitiu que no país, apesar do seu posicionamento geopolítico e geoestratégico, se montassem bases militares estrangeiras,  

Em África, demonstrou a sua veia pan-africanista, manifestando a sua solidariedade para com os países da África Austral ainda sob opressão, com a palavra de ordem “na África do Sul, no Zimbabwe e na Namíbia, está a continuação da nossa luta”, desafiando os hediondos regimes minoritários da época.

Em paralelo, e com os seus homólogos da região, criou “os Países da Linha da Frente”, que foram preponderantes na aprovação da Resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU sobre a independência da Namíbia.

De forma estratégica mas inesperada, mesmo surpreendendo alguns dos seus próximos colaboradores, deslocou-se, em 1978, para o então Zaire, onde com Mobutu Sese Seko, na altura um dos maiores “inimigos” do MPLA, decidiu assinar um acordo de não agressão, muito importante para a sobrevivência do MPLA como poder instituído.

Exímio poeta, Neto é renomado pelo seu pan-africanismo e apego à identidade cultural com temas como “Renúncia Impossível”, “Sagrada Esperança”, “Havemos de voltar”, e tantos outros que, além da língua portuguesa, encontram-se publicados em inglês, francês, turco e indiano”.  

António Agostinho Neto nasceu, em 17 de Setembro de 1922, em Kaxicane, município de Catete, distrito de Icolo e Bengo, a 60 quilómetros de Luanda.

Era filho de Agostinho Pedro Neto, um catequista da Missão Americana em Luanda, mais tarde Pastor e professor nos Dembos, e de Maria da Silva Neto, professora.

Concluiu o ensino primário em, 1934, em Luanda, antes de se inscrever no então Liceu Salvador Correia, onde fez, o 7.º ano do curso liceal, em 1944, tendo depois trabalhado durante dois anos (1945-1946), em Malanje e no Bié.

Em 1947 embarcou para Portugal onde frequentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.





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