Luanda - A 4 de Fevereiro de 1961, Luanda, a capital da então província ultramarina de Angola, possuía cerca de 300 mil habitantes, quase um terço dos quais europeus, e contava com uma grande dinâmica em distintos sectores que faziam dela, na altura, a terceira cidade portuguesa.
Para um melhor enquadramento do contexto que Luanda vivenciava, é necessário retornar sobretudo ao final da 2.ª Guerra Mundial, no ano de 1945, que trouxe consigo um maior olhar e respeito pelos direitos civis, o que levou à Independência de grande parte das nações na Ásia e em África nos anos subsequentes.
Numa tentativa de justificar a sua presença no continente africano, as autoridades coloniais retomam as ideias lusotropicalistas (que postulam a adaptação dos portugueses aos trópicos), da autoria do cientista social brasileiro Gilberto Freyre, de modo a defender a ideia de harmonia racial nos seus territórios além-mar.
Foi neste contexto que, ainda em 1953, através da Lei Orgânica do Ultramar Português, as colónias se tornam “províncias ultramarinas”, atitude tomada não só em resposta às ameaças internas, como também a pressões externas, provenientes principalmente das Nações Unidas, organização criada em 1945.
Visando conter e reprimir os movimentos de oposição à presença portuguesa, instala-se em Angola a Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a célebre “PIDE”, com a criação da Delegação de Angola (em 1954), com sede em Luanda, mas que só iniciaria funções em 1957.
O contexto internacional contribuiu para que, ao nível da sociedade angolana, fossem surgindo e desenvolvendo-se uma série de movimentos culturais e sociais, de modo clandestino, o que levou à detenção, a partir de Março de 1959, de uma série de nacionalistas, que mais tarde seriam designados por integrantes do “Processo 50”.
Cada vez mais, os contactos entre membros dos movimentos na clandestinidade e cidadãos no interior iam intensificando-se, fruto também de um crescente apoio internacional à causa dos angolanos.
Neste cenário, a existência do temor de que muitos dos nacionalistas presos pudessem ser transferidos para o Terrafal (Cabo Verde) ou ser atirados ao mar levou à mobilização de muitos outros para impedir esta acção.
Com uma preparação muito cuidadosa e cheia de sigilo, cerca de três (3) cidadãos foram mobilizados em distintas partes do país, num processo que teve também apoio da igreja, sobretudo a Católica.
Porém, rumores de que um cidadão português, Henrique Galvão, havia sequestrado um navio, a 22 de Janeiro do mesmo ano, e que poderia conduzi-lo à Luanda, fez que desembarcassem nesta cidade vários repórteres expectantes em cobrir o acto.
No entanto, este acabou por ser detido pelas autoridades navais brasileiras na região do Recife, 13 dias após a sua aventura, o que custou à Companhia Colonial de Navegação, na altura, 3.900 contos.
Este acontecimento precipitou a decisão dos nacionalistas de atacar as instalações da administração colonial, durante a madrugada de 4 de Fevereiro de 1961, com cerca de 250 combatentes.
Entre estas instalações encontravam-se a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia da Administração de São Paulo, a 4ª Esquadra (onde se encontrava a Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública), a sede dos Correios, Telégrafos e Telefone (CTT) e o campo da Aviação.
Das acções desencadeadas na madrugada de 4 de Fevereiro resultaram algumas mortes, tanto da parte dos nacionalistas como dos portugueses, bem como vários feridos.
Ao amanhecer, à metrópole e outras regiões do mundo chegavam as notícias a partir de Luanda como sendo uma coisa nunca antes vista, de grupos armados que tinham atacado de madrugada cadeias e instalações oficiais.
Numa primeira acção, as autoridades coloniais, liderada pelo governador Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (1960 a 1961), tentou tranquilizar as populações residentes, como se fez referência no Diário de Luanda de que “esta luta não é angolana, mas estrangeira, obedece a interesses de fora. Afinal, em terras portuguesas, não se verifica conflitos raciais”.
No seu comunicado oficial, o Governo-Geral de Angola divulgado naquele 4 de Fevereiro de 1961 acrescentou ainda "os responsáveis já estão presos na maior parte e a ordem está restabelecida".
Par desmistificar este facto, os nacionalistas realizaram uma segunda acção, em 11 de Fevereiro, com a intenção de atacar novamente os estabelecimentos das autoridades coloniais porém, devido à pouca preparação, acabou por registar-se um saldo muito negativo.
Longe dos números, os acontecimentos afectaram toda a estrutura social da capital, em particular, e de Angola, no geral, surgindo um maior antagonismo entre angolanos e portugueses, com acções de represálias por toda a parte, demonstrando que a harmonia racial não passava de palavras.
Os angolanos, dali para frente continuaram a lutar pela independência em várias frente até que, a 11 de Novembro de 1975, o país tornou-se independente de Portugal. SC