Pesquisando. PF Aguarde 👍🏽 ...

O futuro da nossa música e o resgate da identidade cultural

     Cultura              
  • Luanda • Terça, 01 Outubro de 2024 | 20h42
Espectáculo musical (Arquivo)
Espectáculo musical (Arquivo)
Tarcísio Vilela/ANGOP

Luanda – Assinala-se hoje o Dia Mundial da Música (1 de Outubro), data propícia para uma profunda reflexão sobre o estado actual dessa modalidade artística em Angola, sobre o impacto das políticas do Estado e sobre o papel dos músicos na preservação da identidade cultural nacional.

Por Miguel Leasar, consultor e investigador cultural

A música é uma das manifestações culturais mais populares em Angola, que serviu, à semelhança da literatura e de outras formas de arte, como “arma de combate” na luta contra o Regime colonial e as forças invasoras da Pátria,nos momentos mais críticos da nossa existência enquanto povo soberano.

Aliás, Angola é conhecida como uma Nação multicultural e multi-racial, com uma rica herança musical, onde os ritmos, as melodias e letras sempre foram o reflexo da vida do povo, nos momentos de alegria ou de tristeza, na lavoura, nas marchas militares e até mesmo no trabalho operário.

Não tem como negar que a música popular e urbana tem acompanhado os angolanos em todas as etapas da sua história, mas, como qualquer outra actividade, vem sofrendo grandes metamorfoses que lhe colocam desafios prementes e exigem a intervenção do Estado e da sociedade no seu todo.

Neste contexto de celebração global, é necessário reflectir sobre os avanços e recuos da nossa música, sobre os grandes desafios do nosso cancioneiro e os melhores caminhos para se garantir a sua preservação e o seu crescimento.

A presente abordagem centra-se, específicamente, na questão da valorização dos ritmos musicais e da estratégia do Estado para assegurar a preservação da identidade nacional, sendo certo que o mercado fonográfico angolano carece de muitos outros problemas profundos, como a defesa dos direitos autorais, a reforma dos músicos e a dignidade da classse.

Assim, um dos problemas de que pretendo falar é a tendência de afastamento dos jovens da chamada música de raiz e o fraco recurso a composições em línguas nacionais, principalmente Kimbundo, Umbundo e Kikongo, devido à aculturação e outros factores sociais que precisam de ser ultrapassados.

De igual modo, deve-se ter em conta a questão da migração das zonas rurais para as cidades, que enfraquece o processo de recolha e de conhecimento das tradições, afastando ainda mais os jovens músicos da essência angolana.

Nos dias de hoje, o mercado musical também se ressente grandemente da falta de documentação técnica e científica, sendo preocupante ver que géneros como o semba, kilapanga, tshianda e kintweni carecem de um registo formal, situaçao que permitiria a sua preservação para as gerações futuras.

À medida que os grandes mestres destes géneros musicais vão desaparecendo, o risco de se perder este património imaterial aumenta drasticamente, pelo que deve haver uma rápida intervenção do Estado para se alterar o quadro actual.

É lamentável, num mundo em que as tecnologias de informação estão a evoluir rapidamente, observar que ainda existe em Angola uma lacuna significativa em relação à presença da música angolana em bases de dados digitais e nas plataformas impulsionadas por inteligência artificial.

Se, por um lado, os géneros internacionais estão bem documentados, por outro, os géneros de raízes angolanas estão praticamente ausentes, o que dificulta o processo de promoçao e preservaçao da música angolana num contexto global.

Para ultrapassar este problema, é necessária, acima de tudo, a união entre os fazedores de música, na medida em que, infelizmente, muitos buscam o protagonismo individual em vez de se juntarem em torno de um objectivo comum: caracterizar, documentar e divulgar a música de forma colectiva.

É, pois, vital que a música angolana seja avaliada na sua totalidade (melodia, harmonia, evolução histórica) e não apenas pelo seu ritmo, como frequentemente acontece. A música é uma arte dinâmica e a sua análise deve ser igualmente profunda, sendo que, sem isso, a caminhada será mais difícil.

Aceitação dos géneros musicais criados em Angola

Um dos paradoxos mais intrigantes da música angolana é a dificuldade em aceitar e proteger os géneros criados no nosso próprio território, como por exemplo o kuduro e a kizomba, que alcançaram notoriedade internacional impressionante, mas continuam a ser marginalizados no seu país de origem.

A discussão sobre se a kizomba é ou não um género autêntico de Angola, por exemplo, chega a ser triste. Apesar das influências do zouk na kizomba, este é um género que nasceu e cresceu em Angola, e não há razão para questionar a sua autenticidade. Da mesma forma, o kuduro – com as suas raízes no gueto, mas aclamado mundialmente – tem sido tratado como uma criação menor, quando, na verdade, se tornou num cartão de visita da cultura angolana.

Este extremismo, particularmente dos fazedores de música da geração de 1970, de querer definir se algo é dança ou música, deve ser ultrapassado, porquanto, géneros como o semba não são os únicos legados de Angola.

O kuduro e a kizomba têm sido responsáveis por levar a bandeira angolana a novos públicos e, ao invés de serem importados como tem acontecido, deveriam ser promovidos como produtos culturais angolanos de exportação.

Infelizmente, ainda não existe em Angola uma política de Estado eficiente para a capitalização da popularidade mundial da kizomba, tratando-a mais como uma música “de fora” do que como um símbolo da nossa cultura.

Falando na figura do Estado, é importante lembrar que tem a responsabilidade de criar mecanismos para proteger a música angolana em detrimento da música estrangeira. Enquanto a música de outras culturas pode e deve ser valorizada, a produção nacional precisa de ser incentivada e promovida, sem reservas.

Essa estratégia já teve frutos visíveis nas décadas de 70, 80 e 90, altura em que a Rádio Nacional de Angola desempenhou um papel crucial na descoberta de talentos, sobretudo a nível de programas direccionados como “Sala Pio”, que produziram muitos dos grandes nomes da música angolana de hoje.

A RNA foi um dos veículos fundamentais para a promoção da nossa música, atraves de uma política de Estado bem conseguida, que pode ser recuperada, ajustando-a, obviamente, ao actual contexto do país e do mundo globalizado.

Para assegurar o futuro da nossa música, o Estado deve reactivar a promoção da música infantil através dos canais da Rádio Nacional, criando uma nova geração de músicos angolanos, além de criar políticas públicas que incentivem não apenas a criação musical, mas também a sua comercialização.

Angola é um país com capacidade para exportar música, mas, para isso, é necessário que o Estado crie as condições para que os nossos géneros consigam competir em igualdade de circunstâncias no exigente mercado internacional.

Isso passa, também, por um maior controle dos conteúdos produzidos e que são divulgados para o público, nas ruas, nos táxis, em casa, nas escolas (...). Não se pode continuar a admitir que músicas com conteúdos perversos e de explícito incentivo à pornografia, por exemplo, sejam tocadas pelo país sem qualquer política de Estado que sancione os seus produtores e os promotores.

É hora de colocar um basta nessa realidade, sob pena de a sociedade continuar a perder os seus valores e de inundar as novas gerações com produtos ditos culturais, que mais não servem do que desviar a sociedade dos pilares fundamentais da educação africana, assentes no respeito e valor pela tradição.

A música angolana, tal como a conhecemos, encontra-se num momento decisivo. Os desafios que enfrentamos, como o afastamento das raízes culturais, a falta de documentação técnica, a marginalização dos nossos géneros musicais e a falta de apoio institucional exigem acção imediata e coordenada.

Mas há também imensas oportunidades para que a nossa música floresça e continue a ser uma parte vital da nossa identidade nacional.

Este Dia Mundial da Música deve ser mais do que uma celebração; Deve ser uma chamada à acção. Angola tem uma herança musical rica e diversa que merece ser preservada, valorizada e promovida no cenário global.

Cabe a todos nós – o Estado, a classe artística, o sector privado e a sociedade civil – unir esforços para garantir que a música angolana continue a ser uma expressão viva e dinâmica da nossa cultura, passando de geração em geração como um dos maiores patrimónios que o nosso país tem a oferecer ao mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





Fotos em destaque

Prevenção de acidentes rodoviários vence prémio da feira tecnológica

Prevenção de acidentes rodoviários vence prémio da feira tecnológica

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 12h04

Mais de quatrocentos reclusos frequentam ano lectivo no Bentiaba (Namibe)

Mais de quatrocentos reclusos frequentam ano lectivo no Bentiaba (Namibe)

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 12h01

Angola sem registo de casos da varíola dos macacos

Angola sem registo de casos da varíola dos macacos

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h54

Divisão das Lundas fruto da estratégica de Agostinho Neto

Divisão das Lundas fruto da estratégica de Agostinho Neto

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h50

Merenda Escolar chega a mais de três mil crianças dos Gambos (Huila)

Merenda Escolar chega a mais de três mil crianças dos Gambos (Huila)

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h45

Nhakatolo Ngambo torna-se na 6ª rainha do povo Luvale

Nhakatolo Ngambo torna-se na 6ª rainha do povo Luvale

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h41

Parques nacionais de Mavinga e Luengue-Luiana com mais de 10 mil elefantes

Parques nacionais de Mavinga e Luengue-Luiana com mais de 10 mil elefantes

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h37

Angola produz óleo alimentar acima de cem por cento

Angola produz óleo alimentar acima de cem por cento

 Terça, 17 Setembro de 2024 | 11h34


Notícias de Interesse

A pesquisar. PF Aguarde 👍🏽 ...
+