Três Lagoas - uma ameaça à Catumbela

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Lagoa do Caputo
Lagoa do Caputo
José Honório
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Ancião Mendes Tomás
Ancião Mendes Tomás
José Honório
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José Caxequele, Soba do bairro do Caputo
José Caxequele, Soba do bairro do Caputo
José Honório

Catumbela – Sentado entre os vizinhos, Mendes Tomás, de 74 anos, aponta para a famigerada Lagoa do Caputo, para lá do quintal da sua casa, como o seu “principal inimigo”.

Por José Honório, jornalista da ANGOP 

É o clamor de um ancião aqui, no município da Catumbela, que se vê “bloqueado”, há 41 anos, na sua pretensão de arranjar um sítio melhor para viver. Todos os anos, a história repete-se.

Logo que a época chuvosa chega, a Lagoa, no bairro do Caputo, cuja origem artificial remonta à década de 1930, transborda e inunda ruas, e a fúria da natureza não poupa a casa do “mais-velho”.

“Quando a lagoa enche, não nos deixa dormir”, lamenta Mendes Tomás, que até teme pela vida da família por causa das fissuras da casa onde mora, há quatro décadas.

Apesar do risco iminente de desabar, rejeita abandonar a sua casa, a pretexto de não ter aonde ir: “Quando chove, o quintal fica inundado, durante meses, e aparecem peixes”.

Com o aproximar da chuva, o ancião reformado desfia lembranças tristes das cheias históricas da província de Benguela – de 1972, 1983 e 2015, entre Março e Abril.

A última tragédia deixou quase 100 mortos e dois mil desalojados. São 350 famílias realojadas na urbanização dos Cabrais, após deslizamentos de terras em zonas montanhosas, entre Catumbela e Lobito.

A história de Mendes Tomás assemelha-se às de tantas outras pessoas. Embora temendo o pior, resistem às inundações, após a subida das águas das três lagoas que cercam a vila-sede da Catumbela.

Vem ano, vai ano, as autoridades não conseguem encontrar uma solução para sossegar os moradores, no perímetro dessas bacias de retenção das águas pluviais.

Lagoas perigosas

Sempre que as lagoas enchem, o medo volta a instalar-se na Catumbela. Por exemplo, nos bairros do Caputo, Tata, Namano e Coqueiros, a curiosidade de pescar cacusso ou mergulhar já ceifou a vida de crianças e adultos.

É a evidência que, na Catumbela, o mais jovem município de Benguela, com uma população de pouco mais de 205 mil habitantes, o sistema de micro e macro drenagem das águas pluviais não acompanhou o desenvolvimento demográfico, tornando-se deficiente e obsoleto.

Tal situação, agravada pela falta de manutenção desse sistema e pelo crescimento desordenado da periferia, deixa mais da metade da vila-sede refém de alagamentos e inundações, mal “São Pedro abra as torneiras do céu".

Além do casco urbano, o grito de socorro também vem dos morros, onde a tragédia de 11 de Março de 2015 ainda está muito presente na memória das famílias, que teimam em abandonar as áreas de risco sinalizadas pela Administração Municipal da Catumbela.

É lá nos bairros populosos do Vikundu, Chimbuíla, Pica-Pau, Alto Niva, Tata, Cambandi, Alto Mulumba e Caputo, onde as águas das chuvas rasgam de alto a baixo aquelas montanhas até às lagoas.

Com angústia, Maria Munda, aos 56 anos, vê crianças e adultos a morrer afogados, ano a ano, na Lagoa do Caputo, a mais profunda de todas e que esconde perigos.

Mas nem sempre as coisas foram assim. Ela alega que o problema das inundações desta lagoa só começou com a "febre" das construções em linhas de água, enquanto as autoridades locais olhavam de lado.

Ou seja, foi instalado, há anos, um empreendimento comercial numa “bacia de continuidade”, que recebia águas da Lagoa do Caputo, através de uma conduta subterrânea, ora desactivada.

“Antes, a água passava. Depois, estragou tudo”, reivindica. E suspeita que a tragédia de 2015 foi o primeiro sinal da “revolta da natureza”, na Catumbela, face à obstrução das valas de drenagem.

E Mendes Tomás, agora como antigo trabalhador da extinta Cerâmica da Catumbela, recorda como a Lagoa do Caputo foi "artificializada".

Daqui, saía a argila para fabricar tijolos até 1974, altura em que a unidade fabril paralisou, após o regresso do proprietário, Rodrigues Amado, a Portugal, na sequência da Revolução do 25 de Abril de 1974.

Antes disso, a cerâmica tinha uma electrobomba que chupava a água 24/24 horas a tal ponto que Mendes Tomás descreve as inundações de hoje em dia como um problema que não se fazia sentir, antigamente.

Causa e efeito

Por trás da vulnerabilidade das populações às intempéries, o engenheiro ambiental Isaac Sassoma aponta a “caducidade” do sistema de drenagem subterrânea e superficial das águas pluviais, que remonta à época colonial.

Outra “pedra no sapato” é a construção desordenada em torno das bacias, tendo o entrevistado sugerido um travão nesta ocupação desenfreada de espaços, por impedir o crescimento ordenado e sustentável da vila, afectando a qualidade de vida dos habitantes.

Na prática, um sistema de drenagem urbana eficiente recolhe as águas superficiais de uma região e as direciona para o destino final: “Não é isso que estamos a ver nessas bacias [da Catumbela]. Não há um seguimento”.

Exemplos disso são os alagamentos, inundações, erosão e deslizamentos de terra na Catumbela. No entanto, Isaac Sassoma associa directamente estes problemas ambientais aos surtos de diarreia, leptospirose, cólera, amebíase e malária.

Solução à vista

Por mais apreensivo que esteja, Isaac Sassoma vê uma luz verde ao fundo do túnel para a Catumbela, dada a dinâmica das obras emergenciais do Projecto de Infra-estruturas Integradas de Benguela.

E propõe ao Governo duas coisas: “celeridade e prioridade” para as três lagoas de retenção da Catumbela, visto necessitar de novos sistemas de canalização a montante e a jusante.

Como o paliativo motobombas nunca surtiu o efeito desejado, ele gostaria de ver obras estruturantes, na Catumbela, para requalificar as valas de drenagem e as lagoas de retenção das águas pluviais.

Só com uma obra de engenharia civil para controlar o escoamento das águas pluviais, acredita em uma Catumbela "blindada" contra eventuais novas tragédias, no futuro, para o bem-estar da comunidade.

Comércio em risco

E enquanto tarda a reabilitação do sistema de drenagem na vila-sede da Catumbela, a economia local vai já ressentindo do impacto negativo da época chuvosa.

Toda a vez que a rua Capelo e Ivens – uma espécie de zona dos Congolenses em Luanda - alaga, os clientes desaparecem, deixando às moscas 12 armazéns de venda retalhista e grossista, padaria, farmácias, bares e um hotel.

Quem o diz é Dinis Zango, funcionário da Auto-Pneus Catumbela. Esta empresa perde 70 por cento da clientela, à medida que os alagamentos avançam pela rua.

“Já tentamos até criar alternativas, mas quando temos inundações, há redução de clientes por conta da dificuldade do acesso”, conta. E almeja obras emergenciais na Catumbela.

Aurélio Gayeta, gerente de um armazém, queixa-se de prejuízos. “Vendemos cinco a seis milhões de kwanzas diariamente. Mas na época de chuva, as vendas baixam para 700 mil a 500 mil”, lamenta.

De Janeiro a Abril deste ano, Mamud Mohamed, um mauritaniano que há dois anos ganha vida com uma panificadora, gastou quatro mil kwanzas/dia em combustível, para sua motobomba desviar o curso da água. 

A dada altura, o equipamento avariou por tanto trabalhar, com Mamud a reclamar da água nauseabunda que invadira a padaria, inutilizando, depois, oito sacos de farinha.

A iminência da chuva coloca a fazer contas à vida o empreendedor Alcides Alexandre, que encontrou no negócio de “manicure” e “pedicure” uma forma de se auto-sustentar e fugir à criminalidade.

Com a chuva “às portas”, ele está pessimista com as clientes. “Quando a rua inunda, não conseguimos trabalhar e voltamos a casa com as mãos vazias”.

Centro turístico Ondjango descaracterizado

No bairro do Luhongo, junto à estação de comboios do Negrão, o conhecido centro turístico Ondjango está descaracterizado. As águas estagnadas e o capim em seu redor se lhe furtaram a azáfama de outros tempos. 

Embora possa atender mais de 200 pessoas/dia, hoje, o centro só recebe até 30 utentes, de acordo com Sandra Makuwa, a gerente, que faz “mea culpa” por construir por cima de uma linha de água.

Inundações reduzem atractividade da Catumbela

Na visão do economista Henrique Pascoal, as inundações frequentes dificultam a mobilidade de pessoas e mercadorias, resultando em atrasos e no aumento dos custos logísticos para os comerciantes.

“O comércio local sofre com o encerramento temporário de estabelecimentos, perdas de mercadorias e receitas”, pontuou.

Com os estabelecimentos a funcionarem a meio-gás, o economista aventa que o desemprego local aumenta e, consequentemente, a fome, e os índices de criminalidade e prostituição, também. 

Relativamente ao sector da hotelaria, elenca cancelamentos de reservas e uma diminuição do turismo.

Por isso, alerta para a possibilidade de redução da atratividade da Catumbela para novos investimentos, uma vez que os investidores procuram locais com infraestrutura confiável e segura.

Para mitigar estes impactos, aconselha investimentos em sistemas de macro-drenagem, regularização das lagoas e um planeamento urbano sustentável, que incluam soluções para gerir as águas pluviais e prevenir inundações.

“Tais medidas podem transformar a Catumbela numa vila mais resiliente e atractiva para investimentos, melhorando a qualidade de vida da sua população”, afiança, sugerindo ainda o envolvimento das empresas do Pólo Industrial da Catumbela.

Histórias reais de quem resiste às inundações

Era Março, um dia quente. Alto e falador, estava ali José Caxequele, o soba do Caputo . Aqui, vive há mais de 50 anos e, em qualquer beco íngreme por onde passámos para subir ao miradouro, era saudado com admiração.

A tragédia de 2015 pôs à prova a resiliência do ancião, que sobreviveu ao desabamento parcial da sua casa. Agora, aos 68 anos, guia a reportagem da ANGOP até ao ponto mais alto do Caputo. Do local, avista-se, por ora, o "monstro adormecido". Melhor, a lagoa. 

“Se não houver nada, parte da vila corre o risco de desaparecer”, receia, apontando para o Hotel Sidia, onde ninguém passa, se chover.

José Caxequele relaciona a história da Lagoa do Caputo à da construção da Cerâmica da Catumbela, nos anos 1930. “O dono da cerâmica criou um túnel subterrâneo para evacuar as águas até à vala da estrada e, desta, para a vala do bairro da Luz, no Lobito”, relatou.

Em 1975, com a independência de Angola, na sequência da Revolução do 25 de Abril de 1974, a cerâmica paralisou a sua actividade. Assim, ia à falência um sistema de escoamento completo e que outrora orgulhava os catumbelenses.

De lá para cá, a comunidade vem enfrentando dias difíceis, sobretudo, depois da construção do já referido empreendimento por cima de uma antiga vala subterrânea, obstruindo-a de vez.

O soba afirma que os “paliativos “da Administração Municipal da Catumbela nada resolvem. A água está sem saída, o que agita a Lagoa do Caputo. Em Março, quando choveu, transbordou. Caíram doze casas. 

E lança um repto ao Governo: “Pedimos que olhe para a situação da lagoa (…). Estamos à espera há muito tempo”.

Há 48 anos, Damas Quintas vive isolado numa área de risco a desastres naturais. “Anteriormente, estava normal(...). A fábrica de tijolos criou um buraco para as águas da chuva”. 

Como se de um ilhéu se tratasse, o munícipe dava conta de famílias ao relento face aos deslizamentos de terra do alto das montanhas.

Cansada de se vestir na rua, sempre que o quintal inunda, a funcionária pública Inês Sanjivala ansiava por melhorias no saneamento básico na Catumbela.

“As nossas comidas apodrecem. O bocadinho de arroz que estou a cozinhar ficou com o bolor. A fuba, massa. Tudo foi no lixo. O que é que eu faço?”, indaga.

Governo renova promessas

Em resposta, o vice-governador provincial de Benguela para os Serviços Técnicos e Infra-estruturas garante o início, dentro de dias, de obras para a interligação das três lagoas da Catumbela, no intuito de prevenir as consequências das enchentes.

Adilson Gonçalves tranquiliza a população da Catumbela afirmando que a localidade é parte do programa. Não apenas o Lobito e Benguela.

E reconhece: “O cancro da Catumbela são as lagoas”.

Ainda anunciou novo tapete asfáltico para doze quilómetros de ruas na vila-sede da Catumbela, passeios, lancis, iluminação pública e rearborização.

Para Mendes Tomás, o ancião que não se acostuma com a difícil ideia de abandonar a sua casa, quem tem mais a ganhar com essa intervenção são as comunidades vulneráveis à beira das três lagoas. JH/CRB 





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