Luanda – Desde muito cedo, Danilsa de Sousa alimentou o sonho de ser médica, sem imaginar que viria a ser, um dia, a única especialista angolana a medicar na área de geriatria.
Por Eurídice Vaz da Conceição, jornalista da ANGOP
Ao longo do seu duro percurso, enfrentou e venceu as barreiras da academia e do preconceito, tornando-se um caso de superação e exemplo para milhares de jovens que querem abraçar a medicina.
O sonho de seguir carreira nesse segmento nasceu nos corredores dos hospitais, onde acompanhou, muitas vezes, a sua progenitora, Danilsa Vilhena de Sousa.
À época, Danilsa era estudante do ensino de base e companheira da mãe quando não tinha alguém com quem ficar depois das aulas.
Ao ver, diariamente, a pediatra cuidar de crianças, algumas delas graves, começou a ter certeza do que queria ser quando adulta.
Desde então, o seu maior desejo passou a ser trabalhar lado-a-lado com a mãe, o que não se concretizou, devido à morte desta, em 1995. Foi um duro golpe.
A menina, com apenas 11 anos de idade, ficou sob cuidados do pai e dos irmãos mais velhos, que ajudaram a manter o sonho.
O objectivo começou a ficar mais perto quando Danilsa, animada pelo pai, detentor de um magro salário, a matriculou num colégio.
Decorria o ano de 1997, com o país ainda mergulhado em guerra sangrenta, quando foi frequentar o curso médio de enfermagem.
Sempre convicta do seu grande desejo de tornar-se médica, depois de terminar o curso médio, em 2003, Danilsa entrou para uma universidade privada, onde estudou medicina, até ao ano de 2012.
Hoje, aos 39 anos de idade, a profissional recorda as situações que viveu enquanto estudante e das voltas que deu para se impor na carreira.
"Faltava-me quase tudo. Tinha de acordar muito cedo, para apanhar o autocarro público que me deixava na Vila de Viana, e depois, um carro até às proximidades da rua da universidade, para caminhar dali a pé", diz.
O trajecto era difícil, marcado por altos e baixos, mas, cheia de ambições, a estudante nunca desistiu.
Certa vez, conta, teve de trancar a matrícula, por incapacidade financeira para pagar as propinas, o que a levou a vender bolos, hambúrguer, livros sobre saúde e outros produtos para ajudar o pai e retornar à formação.
Os negócios, cujos clientes eram os próprios colegas da universidade, ajudaram a dar maior consistência ao sonho de ser médica, que se tornou real, anos depois.
Depois de concluir a formação em uma universidade privada, a profissional foi fazer especialização no Brasil, precisamente na área de geriatria. (ramo da medicina que foca o estudo, a prevenção e o tratamento de doenças e da incapacidade em idades avançadas).
Escolha da especialidade
Durante a formação em Medicina, a jovem conta que passou a nutrir grande admiração por dois extremos da vida: crianças e idosos, mas no final, a simpatia recaiu sobre aprender a cuidar dos mais velhos.
Depois da licenciatura, quis especializar-se em geriatria, mas faltava-lhe dinheiro para sair do país e realizar mais um sonho, uma vez que em Angola não existe, até ao momento, um internato para essa especialidade.
Passou, então, a juntar dinheiro, enquanto prestava serviço em várias unidades de saúde. Chegou, inclusive, a trabalhar como voluntária, para ser aceite no sector.
Pelo seu desempenho e voluntariado, em 2014 foi contratada pela Clínica Girassol, onde trabalha, e fruto da sua disciplina e dedicação, enviada pela direcção da unidade de saúde para o Brasil, em 2018, a fim de fazer a especialização em geriatria.
A especialidade de geriatria foi feita na Universidade de São Paulo "Hospital das Clínicas”, o que lhe abriu portas para se tornar a única especialista do país nessa área.
"Não se consegue satisfazer todas as necessidades do país, pelo número de habitantes idosos que existe", expressa a profissional, para quem Angola precisa, com urgência, de mais quadros nesta área.
"O meu grande sonho, como mulher, é mostrar às demais que, com fé e determinação, conseguimos atingir os nossos objectivos, sejam eles quais forem", comenta a médica, um dos rostos trazidos pela ANGOP, no quadro do mês da mulher.
Como médica geriatra, o seu grande sonho é ajudar os idosos do país a envelhecerem com saúde, ensinando-lhes bons hábitos, desde alimentação e outras situações que resultem em boa qualidade de vida.
Entretanto, também quer contribuir, em grande medida, na formação de mais especialistas da sua área.
"Gostava de poder transmitir, de forma sólida, todo o conhecimento que adquiri durante o tempo em que estive a especializar-me no Brasil”, refere.
Vida dedicada à família
Hoje, a vida da médica é de muito sacrifício. O número de pacientes que atendeu já lhe escapam da memória, mas o foco no trabalho mantém-se o mesmo.
Mas, engana-se quem pense que Danilsa de Sousa só vive de hospitais, pacientes e remédios. A sua vida é bem mais do que isso, ou seja, é uma mulher que se dedica fortemente à família, apesar das agendas.
Danilsa é casada, há 18 anos, e mãe de três filhos (duas meninas e um rapaz).
Do marido, só sabe fazer elogios e agradecer por ser um excelente companheiro, que entende as suas ocupações profissionais.
"Por saber que quase não tenho tempo, o meu marido dedicou-se muito a cuidar dos nossos filhos. Sempre apoiou-me muito, desde a licenciatura. É por causa dessa ajuda que consigo alguma facilidade de ser mãe, esposa e médica”, gaba-se a entrevistada.
"O meu esposo é, de facto, uma espécie de homem em extinção, e eu uma mulher de muita sorte”, conta.
Para cuidar da casa e da família, além das noites, aproveita sempre as folgas e os fins-de-semana. Nesses dias, passeia e brinca com os filhos e vai à igreja.
Em relação ao Março Mulher, Danilsa de Sousa aconselha as mulheres a continuar a lutar para alcançar os seus objectivos e nunca pararem de segui-los, por causa das adversidades da vida.
"E que o sucesso de cada mulher angolana sirva de inspiração para outras. Devemos ser fortes, unidas, corajosas, simpáticas e, acima de tudo, humildes”, remata a médica, cheia de simpatia e convicções. EVC/ART/VM