O desporto que se faz reflecte o momento financeiro - Albino da Conceição 

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  • Luanda • Sábado, 07 Setembro de 2024 | 14h04
Albino da Conceição, Artista Plástico
Albino da Conceição, Artista Plástico
António Escrivão - ANGOP

Luanda - O antigo ministro da Juventude e Desportos, Albino da Conceição José, afirmou que o desenvolvimento do desporto em todos os países fica sempre dependente dos momentos económicos e financeiros. 

Por Marcelino Camões, jornalista da ANGOP

Numa recente entrevista exclusiva à ANGOP, em Luanda, o antigo dirigente desportivo lembrou que para Angola o cenário não é diferente, estando a fazer-se o desporto possível, de acordo com o momento económico que se regista hoje, na sequência de uma recessão profunda, iniciada em 2014.

Homem de múltiplos ofícios, Albino da Conceição José seguiu uma carreira política enquanto quadro do Ministério da Juventude e Desportos, numa escala de ascensão que o levou a ministro, após 17 anos como vice-ministro.

Depois desta trajectória foi administrador municipal do Cazenga, em Luanda, mas nunca abdicou da sua veia cultural, nomeadamente no capítulo da pintura, da escultura, da dança e das artes cénicas.

Membro da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP) desde 2013, produziu mais de 400 obras, várias delas expostas dentro e fora de Angola.

Eis a íntegra da entrevista:

ANGOP: Qual é a sua visão do estado do desporto comparando o passado e presente?

Albino da Conceição (AC) - A comparação que posso fazer é de quando eu era miúdo. Nós hoje somos uma nação que se pode dizer desportiva, onde a possibilidade de representar é geral. Hoje conseguimos representar a nossa bandeira.

Antes, Angola, Moçambique e Cabo Verde representavam a bandeira colonial, jogava-se com a bandeira portuguesa. Acho ser esta a maior diferença nas conquistas que podemos assumir como sendo nossas. 

No período colonial o desporto era maioritariamente praticado por pessoas privilegiadas, pessoas que pertenciam a uma elite de angolanos ou portugueses em modalidades como a vela, ténis e golfe. Hoje, o acesso é para o interessado, independentemente do seu estatuto social.

Praticar desporto em Angola é um direito constitucional e não tenho registo de alguém que tenha sido impedido por conta do posicionamento social ou qualquer tipo de crença (…). Eu acho que o direito constitucional no desporto está a ser respeitado e praticado.

ANGOP: Como avalia esta componente social em termos de desenvolvimento?

AC: O desenvolvimento do desporto em todos os países fica sempre condicionado. Condicionado, quer dizer que fica muito dependente dos momentos económicos e financeiros locais. Hoje, em Angola faz-se o desporto possível, de acordo com o desenvolvimento económico que o país regista.

Angola está a sair de um período de problemas financeiros que levou a uma recessão profunda, iniciada em 2014.

Sabe-se que em momentos de crise as sociedades cortam despesas e o desporto tem sido uma das áreas abrangidas, de maneira que temos o desporto possível de ser feito por força dos problemas económicos e financeiros que o país vive hoje.

Em alguns casos ainda vamos tendo os desportos de maior capital, digamos de maior bonança como é o caso do basquetebol masculino e o andebol feminino, mas há modalidades que, devido à crise financeira, deixaram de estar nos principais pódios do continente africano.

ANGOP: Além das dificuldades financeiras, não estará a faltar a efectivação das políticas de desenvolvimento?

AC: Sim, quando falei sobre o que a situação económica e financeira traz consigo, acabei depois por diminuir uma série de outras acções que também são determinantes.

Em 2014, apresentamos uma proposta de desenvolvimento desportivo até 2020 ou 2024, mas por força da crise financeira o programa ficou de ser aprovado quando estivessem reunidas as condições para o efeito.

Portanto, houve uma apreciação global sobre aquilo que era o programa de desenvolvimento e depois o que ficou recomendado é que quando surgisse o melhor momento financeiro o Governo poderia retomar o documento e ver em que medida poderia ser aplicado.

O programa trazia uma série de eixos, um deles estava ligado à formação de professores para poder fazer uma correção do programa da reforma da educação que não tinha na altura previsto, que era haver professor de educação física em todas as escolas.

A previsão era ter no mercado de trabalho, em 2024, pelo menos quatro a cinco mil professores de educação física e eu não sei se chegamos a formar ao menos mil profissionais.

Digo, não sei porque não estando a exercer funções, não pertencendo mais aos quadros do Ministério da Juventude e Desportos, vou me dedicando mais aos estudos.

Dizer que este programa de desenvolvimento desportivo previa uma intensificação da formação. Eu trabalhei na criação do Instituto de Educação Física a funcionar no Kilamba, além de outros existentes pelo país, mas as condições financeiras acabaram por levar a juventude a optar por resultados mais rápidos, por coisas mais claras e uns foram para o Direito, Engenharia e acabaram por não ir tanto assim para a educação física.

ANGOP: Quase 50 anos após a independência ainda persiste a questão se existe ou não o desporto escolar?  

AC: A educação física é a base para um bom desporto, mas acima de tudo para a formação de um bom cidadão. O desporto ajuda muito na formação do indivíduo.

Nós tivemos momentos determinantes nos desportos na escola a nível de basquetebol, voleibol e naquelas modalidades de pavilhão directamente ligadas ao ensino.

Na altura, não tínhamos muitos pavilhões nos bairros, então a escola, em si, era quase que absoluta para a prática destas modalidades.

Então o que se fez é que as escolas até a 5ª ou 6ª classe não tinham professores específicos de educação física, era o professor geral incumbido de ministrar a cadeira, mas o que aconteceu é que a estes professores não se deram as valências que lhes permitisse dar uma boa aula de educação física. 

Não basta apenas temos as fases nacionais nas escolas, mas é termos uma competição escolar com nível de acordo com a idade da juventude e das crianças envolvidas no referido ano lectivo.

Então, o programa a que me referi, que foi submetido ao Governo central, tinha este eixo da necessidade de formação dos professores de educação para trazer a qualidade da execução do gesto desportivo, da coordenação motora e isto iria levar paralelamente a um programa que cuidava exclusivamente das questões de educação física e desporto.

O desporto na escola e a educação física são, eu concordo inteiramente, da responsabilidade do Ministério da Educação, mas é preciso que naquele departamento ministerial se percebam os contornos e a dimensão da educação física e o desporto na escola, dado, também, à sua importância na formação integral do cidadão.

Os elementos que o desporto desenvolvem andam connosco por toda a vida. A pontualidade, o cumprimento da regra, o respeito, o convívio na adversidade, nós aprendemos no desporto que um adversário não é um inimigo.

O desporto permite ter adultos a compreenderem melhor a tendência religiosa, podem ter uma tendência partidária, mas que no geral serão todos cidadãos, independente desta adversidade que é e faz parte da consciência.

ANGOP: Equacionou-se a constituição de uma federação de desporto escolar. Foi criada uma comissão?

AC: O programa tinha essa previsão. O Comité Olímpico Angolano é que estava à frente disto e, simplesmente, depois desapareceu e eu desconheço as razões.

A comissão chegou a ser criada. Eu deixei de exercer as funções de ministro em 2017, mas enquanto estive no Governo central deixamos este trabalho e suponho que a comissão teria sido criada porque a proposta do documento desporto na escola previa esta comissão que deveriam desenvolver todas as tarefas que iriam conduzir à criação da Federação de Desportos nas Escolas.

Este documento ainda existe no Ministério da Educação, o documento está lá e tem aquilo que são as tarefas que nos podem conduzir a uma melhoria do que hoje é a educação física na escola.

ANGOP: O desporto escolar como tal existe mesmo?

AC: Sim existe, mas com baixo nível de execução. Temos perdido um pouco da qualidade de movimento que, tenho a certeza, perdemos porque se reduziu a carga da disciplina em si nas escolas e do ponto de vista de espaço, logo a população angolana dos últimos tempos dedicou-se menos aos movimentos do que a população de há 20 anos.

Mas é preciso citar, também, que a guerra foi um factor impeditivo. É natural que se tenha colocado a pergunta, mas eu digo que existe, agora a execução é que é baixa.

Nós já tivemos um período de largas horas de educação física em que o estudante se dedicava à prática desportiva, tendo depois um reflexo na qualidade e também na intensidade dos desportos que estes jovens vêm depois praticar quando estão aí nos 16 e 17 anos de idade.

Se houver quebra na carga horária para o sistema educativo, quando se chegar à fase de rendimento terá menos qualidade também.

ANGOP: Existem dificuldades de infra-estruturas até mesmo nas instituições de ensino?

AC: É impeditivo e é prejudicial. As instalações de qualidade têm que existir para a melhoria do nível. Mas é possível desenvolver desporto no bairro sem grandes recintos, por exemplo, em campos de 20/20, 3x3, um campo de areia para voleibol de praia são experiências que dão certo com vontade dos cidadãos.

No sítio onde era praticado o desporto construíram-se salas de aulas, no sítio onde era uma quadra desportiva construíram-se centros médicos, fundamentalmente em Luanda, fruto da pressão do período de guerra. Não sei se as outras províncias também sacrificaram os seus espaços desportivos para aumento da capacidade escolar.

ANGOP: O desporto nacional já precisa de um tribunal arbitral?

AC: Eu não sei de um país da região 5 que tem a legislação desportiva na dimensão que Angola tem. E continuamos a corrigir a legislação. 

Do ponto de vista do desporto, a lei tem um enquadramento que abrange tudo, nas comunidades, nas escolas, nas forças armadas. A legislação não é pobre nestes aspectos.

É importante a existência de um órgão independente. Agora se vai chamar-se tribunal arbitral ou tribunal de justiça “são outros quinhentos”. Que seja um órgão independente do Estado e da Federação para poder julgar casos de conflitos com lisura.

Portanto, do ponto de vista da legislação para aquilo que regula as eleições nos clubes não há défice e posso dar um exemplo: sei que em 2007 ou 2008 terá havido uma federação nacional que terá recorrido a uma federação internacional para contestar o figurino eleitoral estabelecido na nossa lei. 

A lei estabelece que para as eleições das federações nacionais os clubes participam no processo eleitoral e esta federação fez recurso à federação internacional. Esta federação não teve depois a hombridade de fazer chegar o veredicto ao público. 

O parecer internacional foi que o formato que Angola estabeleceu para votação nas federações nacionais deveria ser exemplo para o resto dos países do mundo, portanto, não foi só para os países africanos que a federação internacional respondeu.

ANGOP: Algumas correntes defendem Secretaria de Estado do Desporto ao invés de ministério?

AC: Acho que isto é só um formato. Depende muito do Titular do Poder Executivo, depende da política do Governo para o que se procura transmitir ao resto do mundo. 

Angola é um país que faz parte da geopolítica, está no contexto internacional e ter um departamento ministerial está directamente ligado ao Presidente da República a tratar da questão do desporto. Acho que faz sentido.

Um instituto já não tem outra dependência que seria directa do Chefe do Estado. Agora, acho que é mais o formato em si, o importante é a importância que o Estado angolano atribui ao desporto.

Os Estados Unidos não têm Ministério da Juventude e Desportos, têm uma comissão, tal como o Canadá, países com grande desenvolvimento financeiro que já reduziram a sua presença como Estado na questão dos desportos, porque as forças económicas já estão educadas o suficiente para a importância dos desportos. 

Sabe-se que os clubes da NBA estão na Bolsa Americana e os ingleses de futebol na bolsa de valores da Inglaterra.

Espera-se que até 2025 Angola já esteja melhor educada na questão dos desportos em desenvolvimento económico e já viva num ambiente de diversificação absoluta, e consiga perceber, em si, que o desporto gera recursos suficientes para contribuir para o desenvolvimento económico.

 Sabe-se que a La Liga contribuiu com 2% no PIB espanhol, quer dizer muito dinheiro.

ANGOP: Coloca-se a necessidade de os clubes se tornarem SAD, antes de evoluir-se para uma liga?

AC: Eles não têm de se tornar Sociedades Anónimas Desportivas (SAD). A lei estabelece que o clube deve existir como tal e depois para as questões de desportos profissionais tenham uma sociedade anónima desportiva. 

Não é o clube que se transforma. O clube existe como tal e depois cria, por acordo dos sócios, uma sociedade para lidar com o assunto do futebol ou para lidar com o assunto do basquetebol. A partir daí tudo que é recurso financeiro passa a ser gerido por esta sociedade. 

É importante perceber que uma sociedade anónima desportiva não distribui fundos para os sócios. O que é gerado pela sociedade anónima é revertido para o clube.

ANGOP: Qual é a vantagem da aposta em modalidades individuais?

AC: Nós tínhamos este programa embora não tenha sido, na altura, aposta de Governo. É mais racional apostar nos desportos individuais do que nos colectivos, essencialmente no que diz respeito à vertente internacional. 

Se pensarmos subir ao pódio nas grandes competições internacionais é preciso que se dê maior prioridade às forças individuais.

Enquanto ministro da Juventude e Desportos, cargo que exerci desde Outubro de 2016 a Julho 2017, estes programas não conseguiram andar.

Durante a minha vigência no cargo de ministro o orçamento maior que se recebeu foi em 2017. A maior disponibilidade orçamental foram de16 milhões de kwanzas e isto prova a crise financeira em que estávamos mergulhados.

Para o Campeonato Africano de Andebol, realizado em Dezembro de 2016, os recursos que o estado alocou foram de cinco milhões de kwanzas, o resto foi conseguido com a participação do empresariado nacional. Foi a maior participação do sector privado na realização de um evento desportivo daquela dimensão.   

O orçamento global acho que era de 122 ou 125 milhões de kwanzas, mas o que o Estado disponibilizou para aquela competição foram apenas cinco milhões de Kwanzas porque não tinha mais. Para ver como a crise financeira tocou profundamente.

ANGOP: Os investimentos feitos no futebol não têm sido proporcionais aos resultados?

AC: Se for por via dos investimentos, o actual presidente da Federação Angolana de Futebol (FAF), na sua última campanha eleitoral, disse que iria trazer o negócio. 

Portanto, a nossa participação no último CAN2023 nalgum momento ficou ensombrada.

Eu ouvi o presidente da federação (Artur de Almeida) dizer que faltava dinheiro do Estado. Isto é para dizer que o único investidor até agora é o Estado angolano. Não vejo que tenha havido participação de outros.

Quer dizer que todo o investimento feito até hoje no futebol é do Estado angolano. Dizer que é pouco? Não. Foi um grande investimento. O problema está depois na rentabilização desse investimento.

Se estabelecermos, por exemplo, um contrato, andamos atrás do resultado, não andamos atrás de qualidade. E depois pagamos avultadas somas a um treinador estrangeiro quando as redes da baliza não estão boas e nem temos uma indústria interna que fabrique, ao menos, chuteiras.

É uma questão de como direccionar os investimento no sentido da sua rentabilização. Acho que é um dos maiores problemas do Governo nessa questão do apoio ao futebol, a maior modalidade do país.

Se tivéssemos uma modalidade que tivesse 20 pessoas em campo, também o investimento seria maior. As modalidades individuais têm menos popularidade exactamente devido à questão psicológica do colectivo.

Os investimentos do Estado, pelo menos que eu presenciei no futebol, foram grandes. Alguma vez tive de negociar, ir pedir para que a parte das finanças do país pudesse olhar para a federação.

Em 2009, não sei se terá existido uma outra federação africana que pudesse ter maior volume de financiamento como foi a nossa federação de futebol.

Aquilo que o Estado apostou na federação de futebol para participar e preparação no Campeonato Africano das Nações (CAN´2010), na altura não estabeleci comparações, mas não tenho dúvidas que não terá havido alguma federação com um investimento maior do que o que o Estado angolano pôs na federação de futebol.

A questão não está tanto na participação do Estado, que quase é absoluta. O problema está no dirigismo do futebol que deve repensar para onde canalizar as verbas que o Estado atribui à modalidade.

ANGOP: Na época do CAN, estamos a falar de quanto valor monetário?

AC: Na altura, deve ter rondado 15 ou 16 milhões de dólares e não kwanzas. De certeza que deve ter estado acima dos 15 e 16 milhões de dólares. Não foi dado todo o valor de uma vez, mas no global, até a altura do campeonato, foi muito dinheiro.

Quando falamos de que o Estado vai continuar ainda longos anos como o maior patrocinador do desporto, aqui também, para a dimensão dessa dependência falava-se muito do mecenato desportivo. 

ANGOP: É uma lei que foi aprovada, mas falta regulamentação?

AC: Já está regulamentada.

ANGOP: Então porquê que não se sente o apoio dos empresários? 

AC: Para mim, o dirigismo é que tem que sentar e conseguir restabelecer conversas. O exemplo que o Governo angolano e a Federação de Andebol deram com o Campeonato Africano de Dezembro em 2016, creio que deveria depois ser assumido por todo o sistema desportivo, mas não foi possível porque já estávamos em período de crise.

Tivemos pouco tempo para parar e sentar, andamos mais a chorar pelo dinheiro que não vinha do que propriamente a tentar estabelecer mecanismos que permitissem outros ganhos. Também há que reconhecer que o empresariado caiu muito.

As finanças, no geral a economia do país caiu muito e depois tivemos dois anos de pandemia e diminuíram ainda mais aquilo que já era a capacidade das empresas.

Para mim, o deficit não assenta tanto na questão do regulamento ou na lei que poderia ser melhor, mas é importante, também, que os dirigentes desportivos digam onde  acham que deve melhorar e depois em reunião do Conselho Superior do Desporto  proporem ao Governo a devida aparição.

Pelo que se saiba até hoje, não sei se terá havido um documento escrito, se terá havido uma proposta do associativismo como tal, feita e aprovada em Conselho Superior do Desporto, a última, do ponto de vista da concertação social do desporto que recomenda ao Governo mudanças, alterações e outras melhorias no próprio sistema desportivo.

Portanto, posso estar a falar sem provas, de facto, mas é preciso que o associativismo se junte e produza. Se for possível alterar, então vamos alterar aqui para propor ao Governo e também é preciso, do ponto de vista de diálogo. 

Há aqui um sentido de responsabilidade e um sentido de união que é preciso ser assumido para que as pessoas mais do que discutir a sua modalidade, discutam o desenvolvimento do cidadão como tal, discutam os elementos, aquilo que nós queremos para o país como uma nação e proporem as devidas alterações.

ANGOP: Esteve na origem do surgimento do desporto adaptado em 1994. Como está hoje?

AC: O desporto adaptado podia estar hoje num nível diferente e na minha percepção de coisas, na minha análise não estando hoje directamente ligado ao sistema, acho que nalgum momento passou-se a ser um pouco mais político do que propriamente desportivo.

Uma parte dos dirigentes do desporto adaptado passou a assumir mais funções políticas do que propriamente desportivas. É minha opinião, não quer dizer que estarei certo, mas acho que por força disso nalguns momentos a atenção, e acho que mesmo os objectivos, passaram a ser um pouco diferentes daqueles que traçamos entre 1993 e 1994.

Foi nessa altura que, com gente de boa vontade, assumimos o movimento do desporto adaptado e acho que, em algum momento, houve um ligeiro desvio naquilo que tínhamos traçado como tal. Acho que perdemos um pouco o foco que tínhamos estabelecido. Digo isto na minha livre opinião.

Ter estado na origem, acho que não será nada mais extraordinário do que possa ser atendido à minha pessoa, porque enquanto servidor público, a minha função é tratar o melhor para o cidadão a quem estamos a servir.

Ter promovido e incentivado o movimento do desporto adaptado não deve ser considerado como algo extraordinário. Era meu dever enquanto servidor público.

Por força disso, com aqueles voluntários, pessoas de boa vontade, na altura, o Leonel Pinto (actual presidente de direcção) foi dos que rapidamente respondeu. 

Traçamos umas perspectivas de trabalho e conseguimos dar passos muito grandes e as medalhas que José Sayovo e outros foram conquistando em Jogos Paralímpicos e Africanos são provas indiscutíveis.

Na altura, os resultados foram possíveis mesmo com os atletas paralímpicos a treinarem em pista sintética apenas nas fases finais de preparação, antes treinavam em condições naturais (pista de cinza), sinónimo de que as instalações desportivas são importantes mas nem sempre condicionam.

Quando falei das condições, temos que ter instalações de qualidade para termos resultados de maior qualidade a nível do desporto individual, mas podemos ter resultados na mesma, naquilo que é o desenvolvimento nas comunidades e o desporto paralímpico provou isso.    

Conseguimos grandes resultados, conseguimos ser um elemento de motivação para os demais, conseguimos um efeito grande naquilo que é o sentimento e auto-estima da pessoa com deficiência em Angola. Eu tenho a certeza disso porque vi e registo hoje. 

As famílias não têm o mesmo comportamento quando têm um filho com deficiência do que teriam há 30 anos.

Quer dizer que podemos sempre fazer o melhor e eu acho que o desporto paralímpico, nalgum momento o dirigismo do desporto adaptado, na minha avaliação, fez um ligeiro desvio do foco que tinha determinado em 1993 e 1994.

ANGOP: Sermos Campeões do Mundo em futebol era impensável, na altura da criação desse projecto?

AC: Eu fui chamado ao tribunal porque alguns cidadãos queixaram-se a dizer que estávamos a fazer aproveitamento, que estávamos a aproveitar os mutilados.

Acho que foi em 1995 que recebemos uma intimação do tribunal para ir responder como é que estávamos a fazer uma actividade daquelas colocando pessoas com diminuição do movimento, uma carga daquela natureza, e depois fechávamos a rua.

Eu creio que se o foco for orientado, podemos continuar a conquistar títulos mundiais, por exemplo, no basquetebol em cadeira de rodas podíamos estar melhor, como estão outros países do continente como a África do Sul, que possui centros especializados, com médicos, psicólogos e fisioterapeutas.

Do ponto de vista da estrutura que apoia a modalidade, têm muito mais robustez do que nós, mas ainda assim, podíamos ter tido outra inversão.

No voleibol, começamos a prática, tivemos algum progresso, mas por alguma razão, depois não centramos bem, não conseguimos arranjar outros argumentos para o efeito e o voleibol acho que acabou por se perder.

ANGOP: De dirigente desportivo a homem da cultura. Como se deu isso?

AC: É assim (…), nós todos somos agentes da cultura do país. A nossa forma de andar e vestir representa a cultura. Portanto, eu não concordo que se faça a nossa vida e depois a cultura. O espectáculo musical, a poesia e a gastronomia são actos de cultura.

Sendo parte da cultura, estive ligado a este fenómeno desde miúdo. É uma vocação com a qual nasci. Fui melhorando, aprendendo e tive a felicidade de ter tido a mesma professora de artes plásticas durante quatro anos.

Quer dizer que ela conseguiu trabalhar-me, moldou-me e fez-me correcções e deu-me aplicações. Fiz a minha primeira exposição em 2015, ainda estava no Governo Central.

Alguns foram e viram, uns ficaram atentos e uma parte da sociedade ficou distraída. Não deu importância devida por estar a fazer uma exposição em 2015.

No âmbito da escola, tive formação na Escola Manual e Técnica, onde aprendi a manejar ferramentas, aprendi trabalhos particulares e aprendi a fazer escultura. 

Também aprendi representação de teatro, onde faço apresentação e oficialmente faço parte de um grupo de teatro.

Em 2015, quando apresentei a minha exposição foi para mostrar outras valências, não me vejam apenas com o desporto. Acabei a função governativa e, naturalmente, não podia depois ficar num canto a chorar e dizer que preciso ser recolocado.

Acontece com uma parte de nós quando sai da governação ou do poder. Só somos indicados para um cargo por sermos cidadãos. Não podemos transmitir aos jovens que a nossa existência só faz sentido quando estivermos a desempenhar um cargo público.

Não estando mais activo na actividade governativa e tendo de continuar activo na vida social, temos  de continuar a dizer aos jovens que devemos estudar, porque tudo isso se aprende na escola.

ANGOP: Que exposições já teve?

AC: já produzi muitas. Já expus na Expo Dubai (Emirados Árabes Unidos), em Durban (África do Sul), São Salvador da Baía (Brasil), Aveiro (Portugal) e aqui em Angola. Algumas pessoas julgam que só faço exposições no estrangeiro.

Já fiz algumas exposições aqui em Angola. A primeira foi na Academia BAI (2015), depois no Edifício Kilamba e Memorial Dr. António Agostinho Neto (2018).

Para produzir, posso levar duas horas, duas semanas, como posso levar uma semana ou 15 dias. Quando pinto a óleo, geralmente levo mais tempo porque tenho de esperar o quadro secar.

ANGOP: Quantas obras já realizou?

AC: Enquanto administrador municipal do Cazenga não conseguia pintar o tempo necessário, mas actualmente estou acima das 400 obras.

Perfil:

Nascido em Luanda, em 1963, Albino da Conceição é licenciado em Pedagogia do Desporto e Treino de Andebol, na Bulgária. As artes plásticas estão na sua vida desde a adolescência, quando iniciou a paixão pelo desenho. 

O pintor é integrante da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP) desde 2013.

Auto-apresentação:

Chamo-me Albino da Conceição José, geralmente conhecido como Albino da Conceição, fruto de alguns jornalistas desportivos começarem a chamar-me apenas por Albino da Conceição. Albino da Conceição José era muito grande segundo eles, Resisti um pouco, mas depois acedi.

Portanto, eu nasci em Novembro de 1963, sou formado em pedagogia desportiva treinamento de andebol e depois tenho uma série de outras formações curtas dentre as quais análises de sistemas (…).

Na altura que me formei ainda não tratávamos tanto da informática, as pessoas pensam, quando estou a me referir a análises de sistemas, pensam em sistema informático, mas não, é sistema de uma forma geral, sistema de governação, gestão.

Fui atleta e joguei oficialmente as modalidades de basquetebol, andebol. Por conta de uma lesão contraída num jogo entre o Petro de Luanda e o Sporting deixei de jogar andebol e fui para o voleibol.

O basquetebol foi a primeira modalidade em que eu me revi, com uma licença de desportista de iniciado e o primeiro jogo foi com o FC de Luanda, onde evoluiu o José Carlos Guimarães.

Eu ainda joguei basquetebol com Raul Duarte que me incentivou, pois era com ele que faltava a algumas aulas porque ele já tinha uma bola de basquetebol e então nos desviava para o basquetebol.

Em termos de formação sou pedagogo, feita na Universidade de Sófia, na Bulgária. A primeira formação é em pedagogia desportiva e a segunda sobre o treinamento de andebol.

Também na Universidade de Sófia, nós fazíamos uma licenciatura e depois fazíamos duas três especialidades de menor dimensão.

Fui vice-ministro da Juventude e Desportos de 1999 a 2016 (17 anos) e depois ministro, de Outubro de 2016 a Julho 2017.

Fui nomeado em 31 de Julho de 2018 para o cargo de administrador municipal do Cazenga. MC/ADR





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