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Zango – Um distrito de contrastes e assimetrias

     Economia              
  • Luanda • Segunda, 16 Janeiro de 2023 | 17h51
Uma vista da Centralidade Vida Pacífica, no Zango
Uma vista da Centralidade Vida Pacífica, no Zango
Domingos Cardoso - ANGOP

Luanda – Conhecido por albergar um grande número de cidadãos transferidos de zonas de risco, desde o início do ano 2000, o Zango é um dos distritos que mais cresce na província de Luanda, particularmente em termos demográficos e habitacionais.

Por Leopoldino Pertence

Localizado no município de Viana, o Zango expande-se, rapidamente, o que atrai milhares de cidadãos ávidos por abraçar novas experiências longe da conhecida “cidade velha” de Luanda, projectada, no tempo colonial, para aproximadamente 500 mil habitantes.  

Actualmente, com uma população estimada em mais de 600 mil habitantes, o Zango transformou-se, nos últimos 10 anos, numa das zonas com os maiores projectos habitacionais do país, como duas centralidades urbanas, mas, em contraponto, também carrega o “fardo” de ser considerado dos mais problemáticos.

Quem circula por aquela zona de Luanda, facilmente se apercebe das debilidades de alguns serviços básicos, principalmente o acesso à energia eléctrica e água canalizada, que ainda não chegam a todas as comunidades, muitas delas desde a criação do distrito.

Além destes problemas, os habitantes do Zango também se debatem, em alguns bairros menos urbanizados, com um deficiente serviço de saneamento básico, reduzido número de transportes colectivos e com o problema da venda e burla de terrenos.

Na verdade, projectada, em 2002, para albergar as populações saídas de zonas de risco no centro de Luanda, como as da Boavista e da Chicala, o Zango cresce em vários domínios, mas em diferentes velocidades, tendo ainda como outro dos seus maiores problemas actuais a falta de mobilidade. 

À semelhança de outras localidades da capital angolana, o distrito assiste, quase todos os dias, ao surgimento de dezenas de novos bairros, muitos dos quais junto das já estruturadas centralidades, realidade que lhe dá um verdadeiro tom de contraste.

Trata-se de uma zona surgida com um conjunto de casas sociais, construídas no Zango I, II, III e IV, a que se juntaram, entre 2012 e 2017, as centralidades da Vida Pacífica (Zango Zero), com dois mil 464 apartamentos, e do Zango V (8.000), com sete mil 964 apartamentos.

Dados oficiais indicam que a urbanização Vida Pacífica (Zango Zero), que dispõe de dois mil 464 fogos habitacionais, em seis blocos com  22 edifícios, acolhe 16 mil e 700 moradores.

Os 22 edifícios, erguidos numa área de aproximadamente 22 hectares, têm habitações com as tipologias T3 e T4 (13 edifícios com T3, do tipo A, e nove com T4, do tipo B).

O complexo tem oito apartamentos por piso, totalizando 112 por edifício.

Por sua vez, a centralidade do Zango 5 (Zango 8.000) foi construída para albergar 48 mil habitantes, de acordo com dados oficiais. 

Contempla sete mil 964 fogos, desenvolvidos numa área total de 416 hectares, que estão subdivididos em 32 sectores urbanos.

Quanto às tipologias, de um dos mais recentes projectos habitacionais de Luanda, são vivendas isoladas e geminadas, além de edifícios de dois a três pisos.

Falta de água, luz e policiamento 

Apesar da construção das infra-estruturas, as comunidades do Zango deparam-se com várias assimetrias, e muitos sonhos continuam sem concretização.

Dados da Administração Distrital do Zango, a que a ANGOP teve acesso, dão conta que, actualmente, cerca de 18 mil famílias continuam a viver em bairros de lata, das quais 10 mil em situação social precária, há mais de 10 anos. 

O bairro Cazeta, situado entre o viaduto do Zango e a centralidade Vida Pacífica, por exemplo, é um dos 40 onde ainda se vive sem água potável, energia eléctrica, escolas, hospitais, saneamento básico, arruamentos e iluminação pública.

Os munícipes da zona reclamam também a falta de policiamento contínuo, situação que os deixa sujeitos a assaltos à mão armada, entre outros actos de instabilidade social. 

O coordenador adjunto do bairro Walale (Zango 2/b), Domingos Fernando, disse que a dificuldade de acesso à água potável vem desde o surgimento da zona, em 2016. 

No bairro, não existem infra-estruturas de distribuição de água, por isso os moradores recorrem à compra do líquido de cisternas, ao valor médio de 25 mil kwanzas. 

Domingos Fernando aponta, também, a questão da energia eléctrica, explicando que ainda é assegurada por PT privados, cujos contratos foram cancelados, por causa dos altos preços. 

Para se ultrapassar o problema, os cidadãos solicitam a instalação de uma subestação da Empresa de Distribuição de Electricidade (ENDE), para assegurar o acesso à luz da rede pública.

Por sua vez, António Katengo, coordenador adjunto do Zango 1/A, adiantou que a distribuição de água é feita por quarteirões.

“Há uns que beneficiam de água potável e outros, apesar de terem as canalizações nos quintais, não recebem o produto”, sublinhou.

Em relação à energia eléctrica, adiantou que havia um défice, porque o PT não suportava a demanda em algumas zonas. “No geral, o fornecimento de energia melhorou consideravelmente, devido à intervenção da ENDE, que aumentou a capacidade”, esclareceu.

António Katengo reconheceu que outro problema de fundo é a insegurança pública, que resulta em assaltos nas ruas, por falta de iluminação e policiamento regular. 

Caos na rua da Dira

A ANGOP constatou que a mesma realidade é vivida nos Zangos I e II, habitados, maioritariamente, por pessoas saídas da encosta da Boa Vista e oriundas de países do oeste africano.

No caso específico destas duas zonas, além da falta de água, corrente eléctrica e deficiente saneamento básico, salta à vista a forma ambulante e precária, como é desenvolvida a actividade comercial. 

Em todas as esquinas e nas principais ruas nota-se, com facilidade, amontoados de lixo, que também são vistos em quase todos os becos, curvas e até em casas abandonadas.

Nos Zangos III e IV, por sua vez, o cenário é mais deplorável e frustrante, particularmente na chamada rua da Dira, um dos mais populares e agitados espaços do distrito. 

Trata-se de um bairro onde proliferam, todos os dias, pequenos negócios, como roulottes e bares, que comercializam comidas rápidas e, também, muita bebida alcoólica.

No período nocturno, a zona da Dira transforma-se num verdadeiro “pandemónio”, não só pela forma como cada um procura atrair a sua clientela, com música alta, mas também pelas cenas de prostituição aberta. Há, inclusive, relatos de venda de drogas.

Ali, algumas residências, locais de lazer e até parques infantis foram transformadas em bares, locais de venda de carne de cabrito, conhecido por “cabrite”, e porco (em pincho), além de frango grelhado.

A rua da Dira é frequentada, maioritariamente, por jovens, com idades entre os 17 e os 30 anos, muitos dos quais residentes fora de Viana, que buscam entretenimento no Zango.

Numa ronda feita no local, a ANGOP constatou que na Dira há de tudo um pouco, desde o consumo de bebidas alcoólicas e drogas, à prática de prostituição, ou seja, uma verdadeira espécie de Sodoma e Gomorra surgida no “coração de Viana”.

Os negócios são feitos, maioritariamente, de noite, muitos deles à vista de todos, e, segundo alguns moradores, várias queixas foram apresentadas às autoridades, que realizam operações esporádicas.

No espaço, há produtos disponíveis para todos os bolsos e todo o tipo de clientes, desde os mais modestos aos mais endinheirados, de acordo com relatos registados pela ANGOP.

Falta de mobilidade

Os problemas do Zango não se limitam à famosa rua da Dira. Entre o mar de dificuldades, destaca-se, igualmente, a questão da falta de mobilidade urbana. 

A localidade conta com apenas uma zona de acesso (da entrada - via expressa) até ao Zango V e Calumbo, por onde circulam, diariamente, aproximadamente 600 mil pessoas.

Com excepção dos meses de Maio, Junho e Julho (período seco), nos restantes, sobretudo quando chove, o acesso de pessoas e bens, particularmente nos bairros Kikuxi 2, Walale e Boa Esperança, faz-se com grandes limitações.

Segundo os moradores locais, o problema da falta de mobilidade é agravado pelo facto de os vários serviços, como bancos, escolas, hospitais e unidades comerciais, estarem concentrados ao longo da única via de acesso.

Só uns poucos estão no interior das zonas urbanizadas, obrigando os residentes das áreas periféricas a caminharem longas distâncias para terem acesso a serviços básicos. 

Longe deste cenário está o Zango V, um dos poucos que ainda se apresenta de alguma forma preservado, apesar de lhe faltarem, também, alguns equipamentos e meios sociais.

Além de não sentir, com a mesma intensidade, os problemas de falta de água, energia eléctrica e saneamento básico, dispõe de equipamentos sociais, com realce para cinco jardim-de-infância, quatro escolas primárias e três secundárias, edifícios públicos e administrativos. 

Administração reconhece dificuldades

A propósito dos problemas existentes, o administrador municipal de Viana, Demétrio de Sapulveda, reconheceu que alguns ainda não foram sanados, como é o caso da ocupação ilegal de terrenos, promovida por organizações de “malfeitores”, que têm criado instabilidade no Zango.     

Fez saber que o seu pelouro trabalha com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os tribunais, a Polícia Nacional e os munícipes, para acabar com as ocupações ilegais.

Em relação ao saneamento, reconheceu ser também uma preocupação das autoridades, lançando um alerta vermelho devido a uma vala a céu aberto e os incidentes registados.

Disse não haver ainda um horizonte temporal para satisfazer o pedido dos moradores do Zango, relativamente a cobrir a referida vala de drenagem, para acabar com os incidentes.                              

Demétrio de Sapulveda adiantou que a administração tem realizado trabalhos ao longo do canal, concretamente a limpeza e melhorias das bermas e travessias, bem como nos separadores, por forma a evitar eventuais acidentes.

O Zango é composto por uma miscelânea de habitantes oriundos de vários pontos da cidade de Luanda, designadamente Boavista, Chicala, Bairro Operário, Calemba, Morro da Samba, Sambizanga, Cazenga, Rangel e outras zonas de risco e/ou reservas do Executivo.  

Alguns tiveram a possibilidade de encontrar ruas largas, água potável e energia eléctrica, o que ainda é um sonho em alguns bairros, sobretudo nas chamadas casas evolutivas.

Apesar da aparente imagem de caos total, existem, no Zango, algumas mansões comparadas as dos “bairros nobres” de Luanda, como Alvalade, Talatona ou Benfica, o que alimenta, cada vez mais, a tese de um distrito urbano novo, cheio de oportunidades, mas ainda com assimetrias visíveis. 

Mesmo com as críticas que possam ser feitas, em relação às condições de vida de muitos moradores, o novo bairro continua a ter condições para ser um sítio melhor para se viver.

 

 



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