Luanda – O mercado imobiliário angolano passará a conhecer uma nova realidade, a partir de Junho próximo, com a operacionalização do Crédito à Habitação, que virá pôr à prova a capacidade de resiliência e organização dos promotores privados do país.
Por Moisés da Silva
Se, até agora, a crise económica e financeira que assolou o país desde 2014, a Covid-19 e a incapacidade financeira de muitos cidadãos eram apontados como os principais factores da "hibernação" do sector e da letargia dos seus promotores privados, dentro de um mês estes terão de provar, exactamente, o contrário.
Importa assinalar, a esse respeito, que devido à recessão económica de nove anos em Angola e o quase monopólio do Estado na construção e comercialização de habitações, no quadro do fomento habitacional e facilitação do acesso dos jovens à casa própria, muitas promotoras suspenderam e ou abrandaram as suas actividades.
Nesse período, muitos promotores viram-se praticamente ofuscados e substituídos pela Chine Internacional Found, que, ao serviço do Estado angolano, ergueu centralidades em quase todo o país. A acção, iniciada em 2009, em Luanda, permitiu o surgimento da primeira nova cidade - o Kilamba, em 2011.
Daquela data para cá, pelo menos 43 complexos habitacionais foram construídos em quase todo o país, com realce para as províncias de Luanda, Benguela, Huíla, Lunda Norte, Lunda Sul, Huambo, Uíge, Namibe, Cuanza Sul, e outras. Só neste último quinquénio, por exemplo, surgiram 39 mil 259 novas habitações de várias tipologias.
Em concreto e detalhadamente, no âmbito do Programa Nacional do Urbanismo e Habitação (PNUH), Angola ergueu 23 centralidades (88 mil 924 moradias), do universo de 33 previstas (19.746 casas) por esse programa. A conclusão das mesmas possibilitou o alojamento de pelo menos 120 mil famílias.
Paralelamente a esse modelo de novas cidades, o país ganhou 20 urbanizações (projectos com menos de mil casas), sendo que, para a conclusão das 23 centralidades, o Estado investiu cerca de 14 mil milhões de dólares norte-americanos.
Enquanto isso, as 20 urbanizações custaram perto de três mil milhões de dólares.
Além disso, o PNUH viabilizou a edificação de 685 mil habitações, através do subprograma de autoconstrução dirigida, representando 68% do universo de um milhão de casas previstas na altura, beneficiado directamente (com terrenos) pelo menos 130 mil famílias, num processo de autoconstrução dirigida em curso no país.
Agora, estes players voltam a ter espaço para se impor num mercado ainda fértil, a julgar pela ansiedade e necessidade sempre crescente dos jovens em realizarem esse sonho, e pela nova política do Executivo, consubstanciada na disponibilização de 850 mil milhões de kwanzas para crédito à habitação, em exclusivo.
Bancos e promotores organizam-se
Com efeito, os promotores privados estão convidados, senão mesmo desafiados, a mostrarem as suas capacidades técnicas, organizacional e financeira, e assim ajudarem a operacionalizar o inédito crédito, bem como contribuírem para a solidez e crescimento do muito concorrido e competitivo sector imobiliário de Angola.
De acordo com o Aviso do Banco Central, que estabelece o Regime Especial de Crédito à Habitação, o prazo de solicitação do financiamento, a oito bancos elegíveis, vai de Junho de 2022 até final de Maio de 2027, sendo que a banca exigirá, para concessão da facilidade bancária, garantias que podem ser pessoal ou fiança.
Entretanto, o montante, equivalente a 1,7 milhões de dólares, visa estimular o acesso à casa própria com recurso ao crédito bancário, estando os bancos comerciais orientados a conceder, aos cidadãos requerentes, crédito até 100 milhões kwanzas, por mutuário (casais), e 50 milhões a singulares.
Esse crédito, segundo o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, deve ter uma maturidade máxima de 25 anos, com taxa de juros de 7,5 %, sendo que estão criadas as facilidades de crédito até 10%, para as entidades promotoras de projectos de construção para fins habitacionais.
Além das tradicionais promotoras, os oito bancos comerciais seleccionados também têm, neste momento, menos de um mês para organizarem os processos de facilitação do crédito à habitação e a construção de moradias nas modalidades indicadas, sem qualquer relação com as centralidades já existentes ou em construção.
O BPC, BFA, BAI, Milénio Atlântico, BIC, Banco Económico, o SOL e o Standard Bank são os oito bancos comerciais eleitos para conceder o referido crédito habitacional bonificado às pessoas singulares e colectivas (cidadãos e empresas), no âmbito do Aviso nº 9/22, de 6 de Abril, do Banco Nacional de Angola (BNA).
A elegibilidade desses bancos é justificada, numa primeira fase, pela “robustez ou pujança” que as respectivas instituições detêm dentro do sistema financeiro angolano, diferente dos restantes 18 bancos, um argumento refutado pelo presidente da Associação Angolana de Bancos (ABANC), Mário Nascimento.
Enquanto isso, os promotores visados devem estar constituídos em sociedades, ao abrigo da legislação comercial angolana, tendo a contabilidade organizada e a situação fiscal regular, para construírem projectos que incluem casas de várias tipologias e valores, desde que inferiores ao máximo de 100 milhões de kwanzas.
Incidências do crédito
Nos termos do AVISO do Banco Nacional de Angola (BNA), o crédito concedido ao abrigo deste regime deve ser o único garantido pelo imóvel, não sendo permitida a contratação de outros créditos bancários para o seu financiamento, mesmo em condições diferentes e noutros bancos comerciais.
O aviso, que fixa um desconto de até 40% do rendimento de cada beneficiário, estabelece a taxa de juro em 7%, para empréstimos de até 100 milhões de kwanzas (quando existem dois beneficiários do empréstimo ou um com garantias suficientes) e até Kz 50 milhões (quando só existe um beneficiário).
Depois disso, na remuneração do crédito, é adoptada uma taxa variável constituída pelo juro de referência do mercado interbancário, revista mensalmente, podendo ser acrescida de uma margem máxima de 1%, sem exceder o limite de sete por cento/ano, durante o período da vigência desta facilidade de crédito, entre 2022 e 2027.
A maturidade do empréstimo a pessoas é de 25 anos, não podendo exceder os 30 anos, em caso de reestruturação do crédito, de acordo com o documento. Para o caso dos promotores imobiliários de projectos habitacionais, o AVISO mantém o prazo de reembolso em três anos e juros de 10 por cento.
Esse AVISO visa promover a construção de casas e condições para que os clientes dos bancos obtenham créditos à habitação compatíveis com os rendimentos auferidos, porquanto os imóveis elegíveis são apenas os construídos depois do ano 2012, que sejam adquiridos directamente ao promotor de um projecto habitacional.
Como forma de se compensar os bancos comerciais, optou-se por subsidiar a taxa de juro oferecida aos clientes, pela dedução dos valores financiados das reservas obrigatórias, possibilitando a rentabilização desses fundos.
A concessão do crédito pelos Bancos Comerciais, nos termos estabelecido pelo BNA, está a depender da capacidade financeira do requerente do crédito para cumprir as suas obrigações ao abrigo do contrato de financiamento, bem como do cumprimento de outras condições normalmente aplicáveis a créditos da respectiva natureza.
Com vista à gestão de risco de crédito, os bancos comerciais são orientados a assegurar, antes da concessão do dinheiro, a avaliação rigorosa da capacidade financeira dos clientes, a fim de cumprirem as suas obrigações, à luz do contrato de crédito à habitação nos termos propostos.
Devem também avaliar a capacidade do promotor do projecto de construção habitacional para cumprir as suas obrigações para com o referido projecto e o contrato de crédito.
Durante a vigência do crédito, estes deverão fazer o acompanhamento regular dos seus clientes, de forma a detectar atempadamente dificuldades financeiras ou outras circunstâncias que possam aumentar o risco de incumprimento e tomar as medidas adequadas para prevenir e evitar eventuais conflitos entre as partes.
Apoio técnico e jurídico
Solidária com os membros e comprometida com a “causa”, a Associação dos Profissionais Imobiliários de Angola (APIMA) mostra-se disponível a apoiar todos os promotores que pretendam legalizar projectos residenciais, essencialmente destinados ao crédito à habitação, assegurado pelo Banco Nacional de Angola (BNA).
À partida, a legalização das habitações é um factor fundamental para assegurar a titularidade dos imóveis e conferir segurança jurídica aos proprietários, razão pela qual a APIMA vai estender o apoio técnico também às empresas não filiadas à associação, segundo o seu presidente em exercício Cleber Corrêia.
O “Título de Direito de Superfície”, a desanexação e inscrição dos imóveis na Conservatória do Registo Predial são documentos e requisitos indispensáveis para se assegurar a titularidade de uma determinada habitação, pelo que o responsável aconselhou os promotores e cidadãos a concorrerem para projectos legalizados.
Contudo, advoga a necessidade de se imprimir maior dinamismo e celeridade na emissão do Direito de Superfície, Licenças de Construção, além de eliminar o excesso de burocracia existente actualmente no país, para que o problema habitacional em Angola possa ser resolvido pelo menos em 20 anos.
“O problema do acesso à habitação não se resolve em menos de 20 anos, mas é necessário acelerar o processo de legalização de terrenos para responder à actual demanda habitacional e evitar os constantes conflitos de terra no país”, expressou, assegurando que essa proposta já foi entregue ao Governo angolano para análise.
A APIMA propõe a aplicação de uma taxa de juros de 5% para a concessão de crédito à habitação no valor de até 12 milhões e 500 mil kwanzas, visando beneficiar os cidadãos com baixo rendimento ou menos capacidade financeira, e taxa de juros de 2,5% para a aquisição de terrenos que custem até cinco milhões de kwanzas.
Entretanto, embora tenha apanhado a maioria dos promotores desprevenidos, uns poucos mostram-se aptos para entrarem em cena, como é o caso do grupo empresarial "Glakeni Imobiliária", que já tem disponíveis 232 casas de tipologia T3 e T4+1 prontas para serem comercializadas, conforme a sua responsável, Maria Pedro.
São residências construídas no distrito urbano do Zango (Viana) e nas imediações do Estádio 11 de Novembro, com preços a variar entre os 25 milhões e 135 milhões de kwanzas, sendo que haverá um pacote promocional de desconto de 10%, para os clientes que pretendam adquiri-las no âmbito da actual política e facilitação do BNA.
A "Sales Estrutura Lages" (SEL) é outra empresa que se diz preparada para aceder ao empréstimo, uma vez que já possui toda a documentação necessária para o efeito, estando também disponível para ajudar e orientar os candidatos individuais que pretendam obter o empréstimo habitacional.
Está engajada na construção, em dois anos, de perto de 300 habitações de tipologia T3, T4 e T5, no condomínio “Cumii”, situado no distrito urbano do Camama, município de Talatona, numa área de 21 hectares, onde já estão em execução 20 residências, simbolizando o início da primeira fase.
Como estas, outras mais de 200 promotoras espalhadas pelo país aguardam ansiosas pelo início da operacionalização, a partir do próximo mês de Junho, dos 850 mil milhões de kwanzas para crédito, disponibilizado pelo Estado, com a finalidade de dinamizar o sector imobiliário e facilitar a população no acesso à habitação.