Pretória - A investigadora Aimee-Noel Mbiyozo defende que o acordo entre Londres e Kigali para transferir requerentes de asilo se insere no objectivo rwandês de reformar a sua imagem e afastar críticas ao seu histórico de direitos humanos.
“ Há décadas que o Rwanda tenta reformar a sua imagem. Tem tentado livrar-se das críticas ao seu histórico de direitos humanos e em vez disso focar-se no progresso económico e inovação", disse à Lusa a consultora do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), sediado em Pretória.
A especialista em migrações argumentou que, nesse sentido, o acordo com o Reino Unido, ao abrigo do qual Londres se prepara para enviar para Kigali requerentes de asilo de qualquer nacionalidade que atravessem ilegalmente o Canal da Mancha, se equipara à intervenção militar do Rwanda em cenários como o conflito no norte de Moçambique ou na República Centro-Africana.
"Neste caso, tal como nos destacamentos militares, o Rwanda está a tentar mostrar a sua vontade de cooperar e ser eficaz em situações difíceis", defendeu, em resposta à Lusa por correio electrónico.
Questionada sobre por que motivo o Reino Unido escolheria o Rwanda para acolher os requerentes de asilo quando, ainda em Julho de 2021, a embaixadora britânica para os direitos humanos Rita French questionara as políticas do Rwanda em termos de direitos humanos, Mbiyozo disse que não terá sido bem uma escolha.
"Não acredito que o Rwanda tenha sido 'escolhido' por qualquer razão especial, foi o primeiro a aquiescer", defendeu.
A analista lembrou que "a prioridade da Europa tem sido estancar os fluxos migratórios.
"Os países europeus e a União Europeia têm tentado comprar medidas de externalização de fronteiras como esta há anos", nomeadamente através de "plataformas de desembarque, campos de mirantes, retornos forçados de requerentes de asilo reprovados, entre outros".
E lembrou que estas medidas são rejeitadas pelos países africanos e pela União Africana, não só por serem "profundamente impopulares em África", mas também porque vão contra as prioridades do continente: desbloquear o potencial de desenvolvimento permitindo o livre comércio e a inovação.
Num artigo publicado na página electrónica do ISS em Abril, após o anúncio do acordo entre Kigali e Londres, Mbiyozo alertava mesmo que os países africanos que aceitem cooperar com a Europa para bloquear migrantes e requerentes de asilo poderão pagar por isso nas urnas, mas recordava que, ao fim de 22 anos na Presidência, o chefe de Estado do Rwanda, Paul Kagame, não deverá estar preocupado com a pressão eleitoral.
Ainda assim, defendia a analista, o Presidente ruandês deveria considerar as relações diplomáticas e os impactos de longo prazo do acordo com Londres.
A investigadora questionava ainda se o Rwanda teria condições de gerir mais refugiados, sendo o país mais densamente povoado do continente africano e acolhendo já 130.000 refugiados.
"Esta intervenção é cronicamente subfinanciada e os refugiados já realizaram protestos contra cortes nas porções de alimentos que resultaram em violência policial", escrevia então, alertando que "transferir milhares de requerentes de asilo desde o Reino Unido neste contexto é altamente questionável".
O acordo entre o Reino Unido e o Rwanda permite às autoridades britânicas o envio para o país africano dos requerentes de asilo que cruzem o canal da Mancha.
O acordo tem um custo de 120 milhões de libras (144 milhões de euros) e incidirá principalmente em homens sem responsabilidades familiares que chegam ao Reino Unido através de embarcações ou camiões, que poderão solicitar asilo no Rwanda e não no Reino Unido.
As organizações de defesa dos direitos humanos advogam que as autoridades britânicas estão a violar as suas obrigações em matéria de protecção ao realizar expulsões que, em seu entender, implicam externalizar responsabilidades para um terceiro país, que não é origem dos cidadãos afectados.
Os líderes da Igreja Anglicana juntaram-se à oposição, chamando a política do Governo de "imoral".